Talvez o melhor elogio que se possa fazer ao momento atual do Sporting de Rui Borges é que, sem estar no momento ideal para viver, está a saber sobreviver. Está a conseguir adaptar-se, arranjar soluções, progredir entre a adversidade.
O nível de jogo pode não ser fantástico. As condições estão longe do ideal, a contas com lesões, um plantel escasso em alternativas — olhe-se, uma vez mais, para as opções existentes no banco —, uma janela de mercado que não está a ser especialmente ativa, um elenco desenhado para atuar noutro sistema.
Em cima de tudo isto, não há Viktor Gyökeres, a grande garantia goleadora do futebol nacional. Não dá para viver folgamente, sobrevive-se com o que há. Não há Gyökeres, marca Harder, como frente ao Bologna. Não há o principal avançado, marcam defesas.
Foram os homens do setor mais recuado os principais heróis do 3-1 contra o Farense. Fresneda e Diomande marcaram, Matheus Reis assistiu Harder. E, assim, sem grandes brilhantismos ou golpes de magia, Rui Borges mantém um bom ritmo na I Liga, com quatro vitórias e um empate em cinco partidas no banco verde e branco.
O Sporting entrou com um onze que continha uma ofensa à memória histórica do futebol. Sabe-se que longe vão os tempos em que se equipava de 1 a 11, mas ver uma equipa titular em que o número mais baixo é o 17, tal como os da casa fizeram, soa quase a aberração, a anomalia.
Esse número de camisola mais baixo é o de Trincão, o criativo canhoto que, muito ativo no arranque, foi tentando desequilibrar a defesa dos visitantes. Depois de não somar qualquer ponto nas seis jornadas iniciais com José Mota, Tozé Marreco veio para trazer nova competitividade e, sobretudo, estabilidade defensiva ao Farense. Em Alvalade, sem surpresa, apostou num muito fechado 5-4-1.
Conrad Harder, o atacante viciado em remates, foi o primeiro a rematar, num disparo para defesa segura de Ricardo Velho aos 9’. Só que, desta feita, o jovem dinamarquês vestiu o papel de assistente.
Iván Fresneda chegou ao Sporting rotulado de promessa do futebol espanhol. Não se impôs com Ruben Amorim, a situação não melhorou com João Pereira, mas o regresso da linha de quatro defesas está a dar-lhe nova vida em Alvalade. O ex-Valladolid tem protagonizado tentativas de finalização em todas as partidas recentes, neste primeiro momento da sua vida lisboeta em que é regularmente utilizado. Aos 11', a persistência teve prémio, com o 1-0 feito após cruzamento de Harder. A celebração mostrou a importância do momento para um futebolista que começou janeiro com pé e meio fora do clube e que agora parece titular indiscutível.
Entre os dois primeiros golos, a equipa de Rui Borges juntou mais um nome à sua lista de lesionados. Geny Catamo teve de sair por problemas físicos, juntando-se a um grupo onde estão Gyökeres, Pote, Nuno Santos ou Morita. Entrou João Simões para o lugar do moçambicano, voltando o adolescente a realizar uma exibição cheia de energia e vontade, como um miúdo sempre disposto a ir para o recreio a correr.
O 2-0 teve novo protagonista defensivo. Diomande impôs-se nas alturas, correspondendo da melhor maneira a um canto marcado por Trincão, sempre o mais preciso criador de jogo atacante nos verde e brancos.
O Farense não fez qualquer remate enquadrado com a baliza de Rui Silva nos primeiros 45’. As duas primeiras aproximações promissoras dos leões de Faro foram cortadas, primeiro por Hjulmand, depois por Inácio.
Só nos descontos um disparo chegou ao alvo, e logo com êxito. Elves Baldé, no reencontro com o clube que o formou, trabalhou bem na esquerda, cruzando para Lucas Áfrico, o terceiro defesa do fim de tarde a ir ao ataque e marcar. O lance começou por ser anulado por fora de jogo, mas o central estava mesmo em posição regular. Ao terceiro desafio pelo Sporting, Rui Silva foi batido pela primeira vez.
O Farense, que partilha com o Boavista o estatuto de pior ataque da I Liga, não se entusiasmou, depois do intervalo, na busca pela igualdade. Foi-se mantendo prudente, procurando mais arrastar a diferença mínima no marcador do que atingir o empate, acreditando mais em potenciar a intranquilidade do Sporting nos minutos finais do que em forçar rumo ao 2-2 e expor-se. Os visitantes apenas realizaram um remate à baliza na etapa complementar, numa tímida tentativa de Rui Costa.
No lado dos campeões nacionais, Trincão foi sempre o mais inconformado, o mais talentoso, fiel ao estatuto de especialista a desbloquear partidas perante adversários da segunda metade da tabela. O canhoto testou a atenção de Ricardo Velho aos 60’ e serviu Harder, que atirou ao lado, aos 80’. Pelo meio, Inácio esteve perto de se juntar à festa dos defesas, mas, em posição privilegiada, não acertou na baliza após ser servido por outro defesa, Maxi Araújo.
Com o Farense incapaz de criar perigo, a tranquilidade chegaria, para o Sporting, aos 88'. Mais um defesa, desta feita Matheus Reis, saído do banco pouco antes, juntou-se à frente, cruzando para Conrad Harder. O jovem atacante, ponta de lança de jogo e natureza indefinidas, futebolista ainda em descoberta, fez o segundo golo seguido que é tão difícil de definir como a própria essência de Harder. Depois dos trambolhões diante do Bologna, uma finalização de peito.
Diz o futebolês que os ataques ganham jogos, mas as defesas vencem campeonatos. Sem muitas soluções ofensivas que ajudem a vencer partidas, foram os defesas que deram passos em frente para nova vitória do Sporting, três pontos fundamentais mesmo antes do clássico. Pode não se viver em abundância, mas sobrevive-se.