A tenista norte-americana Amanda Anisimova esteve próximo de conquistar o primeiro Grand Slam da sua carreira, tendo atingido a final desta edição de Wimbledon.

Pode parecer paradoxal dizer que esteve próximo, quando na realidade sofreu uma das derrotas mais copiosas (duplo 6-0 frente à polaca Iga Swiatek) da história do torneio e do próprio ténis.

Mas eu sou muito partidário de que também importa realçar e enaltecer o caminho, e não só o resultado final desse caminho. E só perde finais quem as chega a disputar, daí dizer que Anisimova esteve próximo de inaugurar o seu palmarés em títulos do Grand Slam.

Estou totalmente convicto de que o talento de Animisova não se coaduna com esse resultado tão embaraçoso. Nesse jogo, Swiatek foi manifestamente superior à sua adversária, mas estou plenamente convencido (e assim o ranking o atesta), de que Anisimova tem um potencial infinitamente superior ao que não conseguiu demonstrar nesta final do passado sábado.

Antes do torneio começar, ninguém projetava uma final entre estas duas jogadoras. Swiatek só uma vez tinha atingido os quartos-de-final de Wimbledon, e não tinha um único título em relva em toda a sua carreira. Contudo, tinha conseguido chegar à final do WTA 500 de Berlim (um dos torneios de preparação para Wimbledon), e a sua confiança saiu certamente reforçada por ter conseguido jogar bem em relva.

Beneficiou do fato do seu lado do quadro se ter aberto de par em par com as derrotas prematuras da sempre perigosa Dayana Yastremska (que eliminou de forma surpreendente Coco Cauff, a vencedora da última edição de Roland Garros), de Elena Rybakina (antiga vencedora do torneio) ou da jovem prodígio Mirra Andreeva, sendo que com isto, não defrontou uma única jogadora do top 10 para chegar à final e consequentemente vencer o torneio de Wimbledon pela primeira vez na sua carreira, sem ter que enfrentar nenhuma das jogadoras mais cotadas do ranking mundial.

Já Amanda Anisimova (que vinha de fazer final em Queens) também entrava extremamente confiante fruto da sua boa temporada de relva, e começou da melhor forma a sua participação no torneio, aplicando uma dupla “bicicleta” (termo utilizado na gíria tenística quando um determinado jogador ganha um set por 6-0) à sempre complicada mas igualmente consistente Yulia Putintseva. Ironia do destino, que tenha terminado o torneio com o resultado inverso ao seu resultado da primeira ronda.

Também ela terá beneficiado das eliminações prematuras de grandes candidatas ao título, como Madison Keys, Jasmine Paolini (finalista do torneio), Barbora Krejcikova (atual vencedora do torneio), Donna Vekic (semifinalista do torneio no ano passado e grande especialista em relva), mas tanto Anisimova como Swiatek foram fazendo a sua parte e cumprindo a sua função, que foi a de ganhar os seus jogos frente às adversárias que lhe couberam em sorte.

No caso de Amanda Anisimova, teve de alcançar a vitória mais importante da sua carreira (ao derrotar a incontestável número um mundial Aryna Sabalenka) nas meias-finais da competição, para poder chegar à final de Wimbledon, e anteriormente já tinha salvo três set points de forma consecutiva frente à experiente Anastasiya Pavlyuchenkova no seu encontro dos quartos-de-final.

Defrontando Swiatek (que vinha de um período de 12 meses sem único título) e apesar da polaca ainda não ter perdido nenhuma das cinco finais de Grand Slam que havia disputado até aquele momento, a generalidade da comunidade tenística e dos seus adeptos atribuía um ligeiro favoritismo a Anisimova, que teria uma grande oportunidade para derrotar a ex-número um mundial no primeiro encontro entre ambas.

A potência e a variedade das suas pancadas, poderiam ser chave numa superfície rápida como a de relva, onde a bola menos pesada e com mais top spin de Swiatek, não costuma fazer tanta mossa às suas adversárias como se costuma verificar quando joga em terra batida, onde as características do seu jogo são as ideias para ser a clara dominadora dessa superfície.

Mas o que se verificou no sábado passado é algo que é impossível de dissociar de um autêntico bloqueio mental por parte de Anisimova. Sendo quebrada de entrada, Anisimova perdeu logo ali o ascendente que poderia ter previamente a entrar em court, e só esteve próxima de anotar um jogo (!) no terceiro jogo do segundo set, onde dispôs de várias oportunidades para reduzir a desvantagem e colocar o seu nome no marcador.

É normal que se ceda aos nervos de um momento tão solene como a primeira final de Grand Slam de uma carreira, mas depois de ter derrotado Sabalenka após um terceiro set de elevadíssima qualidade para levar de vencida a melhor jogadora do mundo, ninguém esperava que Anisimova não conseguisse ganhar um único jogo nesta final, que foi decidida em menos de uma hora e com parciais indignos de uma tenista profissional.

A própria Anisimova estará consciente disso, sabe que se se tivesse exibido ao seu melhor nível e tivesse conseguido soltar o seu ténis, dificilmente seria vergada a esta derrota tão vexatória. Para termos uma noção, este resultado de duplo 6-0 numa final de Wimbledon, não se verificava desde a edição de 1911 (!).

Se atentarmos às estatísticas do jogo, vemos que apesar do resultado volumoso, o que diferenciou Swiatek de Anisimova foi o número de erros não forçados (28 de Anisimova contra apenas 11 de Swiatek). No número de winners, a diferença foi muito residual (8 para Anisimova e 10 para Swiatek), sendo que desses 10 winners da tenista polaca, três foram serviços diretos.

Ou seja, muitas vezes, quando estes resultados acontecem no ténis, estes estão relacionados com uma considerável diferença de qualidade entre as jogadoras ou com uma evidente limitação física de uma delas, e não foi nada disso o que se verificou neste jogo.

Anisimova acabou esse jogo com uma percentagem de 45% de primeiros serviços, o que se revelou fatal perante a já conhecida resposta de Iga Swiatek, sempre muito agressiva nesse capítulo do seu jogo. Não conseguiu fazer uso da sua potente direita (acumulando erros pouco usuais) em nenhum momento, nem da profundidade e velocidade da sua excelente esquerda a duas mãos.

Parecia presa de movimentos, e ela até tem um bom jogo defensivo, conseguindo passar muitas vezes da defesa para o ataque, não tendo conseguido igualmente fazer a diferença com a sua fantástica resposta ao serviço.

É como se num espaço de dois dias se tivesse desvanecido tudo aquilo que contribuiu para a fantástica vitória frente a Sabalenka, que é muito mais perigosa nesta superfície do que Swiatek, que fica permanentemente colocada na linha de fundo a distribuir bolas.

E por isso, é ainda mais estranho e complexo analisar esta final e a exibição de Anisimova na final de Wimbledon. Acredito que só ela saberá no seu íntimo o que sentiu em court, e o porquê de não ter conseguido soltar todo o seu ténis para poder equilibrar um pouco mais a contenda com Swiatek, mesmo que a tenista polaca a viesse a derrotar.

No fim do jogo, foi impossível ficar indiferente à voz embargada de Anisimova, que num misto de vergonha e emoção, mostrou grande dignidade na hora da derrota, enalteceu a qualidade e mérito da sua adversária, e inclusive chegou a pedir desculpa à sua mãe (que tinha viajado propositadamente dos Estados Unidos para assistir à final), num exercício de profunda humildade e ternura com a pessoa que tudo fez para que Anisimova se tornasse uma tenista de elite.

Anisimova (apesar da sua tenra idade) já é uma tenista bastante experiente, tendo já ganho o torneio júnior do Open dos Estados Unidos em 2017, quando tinha apenas 16 anos, sendo que já era top 100 com apenas 17 anos em 2018.

No ano de 2019 e em plena ascensão da sua carreira (tinha atingido os oitavos-de-final do Open da Austrália e as meias-finais de Roland Garros), deu-se um acontecimento absolutamente trágico, e que quem sabe, não possa explicar também o que aconteceu na já mencionada final de Wimbledon.

A 20 de Agosto de 2019, o seu pai Konstantin Anisimov (que também era o seu treinador e o grande responsável pelo fato de Anisimova ser tenista profissional), faleceu subitamente devido uma paragem cardíaca uns dias antes da tenista norte-americana disputar o Open dos Estados Unidos, torneio no qual depositava imensas esperanças e onde queria dar seguimento ao seu excelente ano.

Anisimova tinha apenas 17 anos (completou 18 anos no fim de Agosto) e teve que lidar com uma dor incomensurável e uma perda irreparável na sua vida, e consequentemente, na sua carreira tenística.

Desde essa altura, Amanda Anisimova tem lidado constantemente com problemas de saúde mental, que são bastante justificáveis e, com os quais devemos ter a máxima empatia, pois nada nos prepara para ficarmos sem a nossa grande referência, muito menos quando somos tão jovens e temos tanta pressão e exposição mediática.

Nos anos de 2020 e 2021, pouco ou nada competiu, e muitos pensavam que dificilmente voltaria à ribalta do ténis profissional. Contudo, já “livre” da depressão que arrastava desde esse momento, Anisimova começou muito bem o ano de 2022, obtendo o segundo título da sua carreira ao ganhar um torneio de preparação (Melbourne Summer Set 2) para o Open da Austrália.

Na edição do Open da Austrália desse ano, Anisimova demonstrou que estava de volta ao seu melhor nível, tendo derrotado a bicampeã em título Naomi Osaka, tendo salvo match points pelo caminho, sendo que esse percurso só foi interrompido os oitavos-de-final pela tenista da casa Ashleigh Barty, que viria a ganhar o torneio.

Nesse mesmo ano, teve resultados bastante interessantes na temporada de terra batida (nomeadamente derrotando Sabalenka no WTA 1000 de Madrid na sua primeira vitória frente a uma top 10), e atingindo os oitavos-de-final em Roland Garros. Também é de destacar a sua presença nos quartos-de-final de Wimbledon na edição de 2022.

Apesar da consistência dos seus resultados, os 12 meses que se seguiram foram pautados por derrotas em fases prematuras de torneios e em Maio de 2023, Anisimova anunciou uma pausa na sua carreira profissional por tempo indeterminado, citando que necessitava cuidar de si e da sua saúde mental, estando a passar por um severo esgotamento nervoso e uma profunda depressão.

O seu tão ansiado regresso deu-se no início de 2024, demonstrando que essa pausa foi benéfica para si e para a sua carreira, tendo conseguido atingir os oitavos-de-final do Open da Austrália, não tendo contudo conseguido dar seguimento a esse bom início de ano.

O seu resultado mais significante só aconteceu vários meses depois no WTA 1000 de Toronto, onde conseguiu alcançar a primeira final de um torneio desta categoria, batendo pelo caminho Daria Kasatkina, Aryna Sabalenka (uma vez mais) e Emma Navarro, sendo apenas derrotada pela sua compatriota e sempre consistente Jessica Pegula.

Até ao fim do ano passado, Anisimova não mais conseguiu obter resultados muito relevantes, e muitos consideravam que seria difícil ela voltar ao topo do ténis mundial, se não começasse a ter uma consistência maior nos seus resultados.

Durante este ano de 2025, temos assistido ao regresso da verdadeira Amanda Anisimova, que não raras vezes, tem conseguido demonstrar por fim todo o seu potencial. Com a final de Wimbledon, Anisimova conseguiu chegar à sua melhor classificação de sempre no ranking mundial (já é a 7ª melhor tenista do mundo). Tem feito um ano muitíssimo bom, já tendo ganho o seu primeiro título de categoria WTA 1000 no Qatar, derrotando na final a letã Jelena Ostapenko.

Atingiu igualmente as meias-finais do WTA 500 de Charleston em terra batida e os oitavos-de-final em Roland Garros, tendo perdido para Aryna Sabalenka e tendo conseguido agora a sua desforra em Wimbledon, liderando o confronto direto com a tenista bielorrussa por 6-3. São poucas as tenistas que se podem gabar do fato de terem uma estatística favorável contra Sabalenka, a quem já derrotou em todas as superfícies.

Só esse dado bastava para afirmar que Anisimova não é a tenista que vimos na final de Wimbledon. O que se verificou foi uma autêntica anormalidade e acredito que dificilmente venha a acontecer novamente.

Vai ser duro lidar com todo o escrutínio e crítica da sempre exigente e igualmente ácida imprensa norte-americana, mas caso seja capaz de o fazer (e Anisimova já demonstrou ter uma grande força mental para superar maiores adversidades), poderemos assistir a uma excelente campanha de Anisimova no Open dos Estados Unidos, e quem sabe, não se consiga “vinga” desta penosa exibição na sua primeira (de muitas, quero acreditar) final de Grand Slam.

O talento tem às toneladas, se a sua mente acompanhar todo o ténis que tem dentro de si, poderemos estar na presença de uma nova campeã de Grand Slam num futuro muito próximo.

De momento, alegro-me com este renascer de Amanda Anisimova, que muitos consideravam impossível, e que calou todos os críticos que diziam que nunca mais voltaria ao topo do ténis mundial.