A novela do verão foi dividida em mini-capítulos. Como enredo próprio de 2025, já não se partiu em episódios de 45 minutos, mas em reels, em clips de escassos segundos, adaptados à nossa perda de atenção. A questão não era se Gyökeres ia ou não para o Arsenal, era detetar quando é que a documentação foi enviada, quando é que houve autorização para viajar, quando é que houve permissão para os testes médicos. Será que já fez o check-in? Cuidado com as filas, Viktor.

Nesta trama dividida em reels amigos de telefones, um dos últimos passos terá, simbolicamente, coincidido com o momento em que se soube quem era o novo 9 do Sporting. Assim, soube-se que Gyökeres aterrara em Londres mais ou menos ao mesmo tempo que Conrad Harder entrou no Jamor com o número que o sueco celebrizou.

Espécie de passagem de testemunho feita, aí está a vida pós-Gyökeres. Para um clube como o Sporting, como no passado com Benfica e FC Porto, a grandes conquistas seguem-se grandes perdas. Primeiro bicampeonato em sete décadas. Adeus máquina goleadora, meses depois do adeus ao técnico mais marcante do clube no Portugal democrático.

O emblema de Alvalade não é tricampeão desde o tempo em que ainda havia membros dos 5 Violinos no plantel. É esse o objetivo maior para 2025/26, campanha que arrancará, oficialmente, a 31 de julho, com a Supertaça contra o Benfica. No derradeiro teste, os leões bateram (1-0) o Villarreal e conquistaram o troféu que honra a mais sinfónica linha atacante da história do futebol nacional, o quinteto de Peyroteo, Travassos, Albano, Jesus Correia e Vasques.

ANTÓNIO COTRIM

Depois de fazer a dobradinha como se fosse um padrasto atencioso, cuidando e educando um filho que não era seu, Rui Borges quer tornar-se o pai deste Sporting. Quer que a equipa tenha o seu ADN, que caminhe como o treinador ensina.

Ainda assim, é prematuro colocar uma certidão de óbito definitiva aos três centrais. Os leões vão utilizando uma estrutura híbrida, ora fazendo lembrar o passado recente, ora mais numa linha de quatro. Na primeira parte, a tendência era para, sem bola, desenhar um 4-4-2, com Trincão junto a Harder. Em posse, as dinâmicas faziam lembrar o Amorismo, com Reis e Geny nas alas, Trincão na meia direita e Pote na meia esquerda.

O Sporting concluiu 2024/25 no Jamor, com a dobradinha, e lá arranca 2025/26. Com Alvalade em obras, despedindo-se do fosso nesta época de despedidas, o Jamor é a casa emprestada. O único golo da partida surgiu logo aos 8', quando Reis solicitou Pote e este deu em Harder, que ganhou um penálti devido a mão de Willy Kambwala.

Se o encontro teria sempre um toque nostálgico, mais ficou quando houve um castigo máximo para os verde e brancos e não houve um sueco a encher o peito de ar e esmagar a bola na direção das redes. Em alternativa, Morten Hjulmand atirou para o 1-0 que seria definitivo.

ANTONIO COTRIM

João Virgínia, apresentado oficialmente pouco antes do encontro, foi titular na baliza e não comprometeu. O desafio, quase sempre morno, teve o Sporting a ameaçar mais na etapa inicial, com Harder e Geny perto do 2-0.

Dizem os códigos destes jogos de pré-época, deste futebol de chinelo no pé e telefone com as notificações de transferências ligadas na mão, que, se for a partida de apresentação, se disputa a primeira parte com uma farda e a segunda com outra. Após o clássico verde e branco do primeiro tempo, os lisboetas passaram para o negro completo, indumentária que inspirou minutos pouco coloridos por parte dos bicampeões nacionais.

O Villarreal, clube que vai mantendo no seu ADN o gosto por futebolistas técnicos e requintados, como Parejo ou Moleiro, ameaçou seriamente o empate no recomeço. Etta Eyong atirou à barra, Moleiro rematou perto do poste direito de João Virgínia, Pau Cabanes, em boa posição, não teve pontaria.

Segundo outra regra não escrita do futebol que não vale pontos mas alimenta horas de discussão, Rui Borges deu início ao carrossel de substituições. Entraram Debast, St. Juste, Quenda, Quaresma, Esgaio ou Alisson Santos.

A segunda parte do Sporting foi pobre, cheia de desconexões, de perdas de bola, de futebol de pré-época a dobrar, jogo aos repelões. O Villarreal foi atacando, com a técnica de Moleiro em evidência. Em cima do fim, o talentoso jovem quase igualou.

A dias de começar a Supertaça, os bicampeões nacionais venceram. Há uma intenção de paternidade do treinador face à equipa, há protagonistas que se mantêm, mesmo que com roupagens diferentes, sejam jogadores habituados a linha de três que atuam em linha de quatro, seja Hjulmand a bater os penáltis que eram de Viktor. Bem-vindo à vida sem Gyökeres, leão.