
Foi preciso ir até à Lua para descobrir a vitória francesa no Tour de France 2025. Não literalmente, mas velocipedicamente. Foi necessário escalar a montanha árida, nua, de superfície despida, como se voássemos num foguetão e aterrássemos numa realidade inabitada.
É assim o Mont Ventoux. É quase sem vegetação o cume dos seus 1.902 metros de altitude. Depois de 15,6 quilómetros a 8,7%, a expedição lunar colocou a bandeira vermelha, branca e azul lá no cimo.
Sem nenhum corredor que levantasse as mãos na meta até plena terceira semana, os nervos do ciclismo da casa começavam a ser evidentes. Valentin Paret-Peintre, da Soudal Quick-Step, foi o responsável por concluir o jejum, impondo-se na última das rampas a Ben Healy, o herói Ben Healy, já ganhador e camisola amarela desta Volta a França.
A menos de um minuto dos últimos resistentes da fuga chegou o duo que marca os últimos antes da maior das corridas. Vingegaard passou o dia de descanso a prometer que o Tour não estava decidido e é legítimo que, vendo o momento de forma que apresenta, acredite ter opções. Está bem melhor que há um ano, ataca com força, responde a acelerações.
Mas Pogačar está mais forte. Jonas atacou a uns 7 quilómetros do fim, Tadej respondeu, como responderia a 5,5 quilómetros ou a 3,2 quilómetros. Mais perto da chegada, o esloveno contra-atacou, mas o dinamarquês atacou. Ambos animaram a tirada, com um final com duplo motivo de interesse, emoção pela etapa e pela geral. Na meta, ainda seria o tricampeão a ganhar dois segundos ao bicampeão, aumentando para 4,15 minutos a gorda margem.
Desde que o Tour, em 1951, descobriu o “colosso da Provença”, a “montanha careca” tornou-se parte fundamental da mitologia em torno da corrida. Ventoux é local de glória, de vitória de grandes campeões, de Merckx em 1970 a Froome em 2013, passando por Pantani em 2000. É zona de peregrinação de cicloturistas, que animam a economia local imitando os profissionais, foi terra do insólito quando, em 2016, Froome correu pelo meio da multidão, sem bicicleta, um caótico sprint que marcou o terceiro dos seus quatro triunfos na geral.
É local de culto e morte, prestando homenagem a Tom Simpson, que lá pereceu a 13 de julho de 1967. O britânico faleceu na etapa 13 daquela edição, vítima de uma mistura de desidratação, drogas — era uma época de doping selvagem —, álcool e exagero desportivo, já que, dias antes, se mostrara doente após uma etapa, mas o seu empresário convenceu-o a continuar, contra os conselhos de membros da equipa.
Logo no arranque da ascensão, Simpson caiu da bicicleta, apresentando sintomas de delírio. Pediu aos espectadores que o colocassem de volta na máquina, antes de colapsar perto do cume. O local onde o campeão do mundo de 1965 tombou é, hoje, casa de um pequeno memorial, zona onde os tais cicloturistas que tanto importam à economia desta zona têm por hábito parar para render tributo ao vencedor de três monumentos (São Remo, Flandres e Lombardia).
De volta a 2025, a tirada apresentava 150 quilómetros planos até ao início da subida rumo à lua. De Montpellier, na Occitânia, até à Provença foram demoradas horas sem qualquer dificuldade, uma tirada unipuerto ao estilo do que tanto se vê na Vuelta. Após longas batalhas para formar uma fuga, incluindo a pouco bonita imagem de ver Nils Politt criticar o jovem Iván Romeo por atacar — a Emirates vai assumindo o papel de “quero, posso e mando” no pelotão —, lá foi um grupo de 33 homens na dianteira.
Da fuga gerou-se a fuga de la fuga, que levou sete corredores a isolarem-se, entre eles Arensman, vencedor da etapa 14, Enric Mas, o líder da Movistar que tem defraudado as esperanças espanholas no Tour, ou Alaphilippe, o bicampeão do mundo francês. Finalmente com autorização da Emirates e do trabalhador Politt, os escapados abordaram o falso plano que antecede o Mont Ventoux com cerca de 1,30 minutos para um grupo intermédio e 6,30 minutos para o pelotão.
Enric Mas, que não triunfa no World Tour desde 2019, espoletando críticas face ao rendimento do mais bem-pago dos ciclistas da principal equipa espanhola, atacou praticamente no início do Ventoux. Chegou a ter uma boa vantagem, mas seria apanhado por Buitrago, Paret-Peintre e Healy, sempre Healy, é sempre Healy neste Tour, em fugas constantes.
Os dois maiores craques das grandes voltas iam pisando os calcanhares atrás. A Visma trabalhava para Vingegaard e os quase 7 minutos de vantagem rapidamente passaram a 4, os 4 reduziram para 2 e, no quilómetro final, nem 60 segundos de margem havia.
Foi aí que um belga salvou o dia aos franceses. Ilan Van Wilder, companheiro de Paret-Peintre, conseguiu chegar ao grupo da frente nas rampas definitivas, eliminando a hipótese de Jonas ou Tadej chegarem à frente — chegou a parecer que uma aceleração do campeão do mundo levá-lo-ia a nova vitória — e trabalhando para o gaulês.
Healy, como é claro, atacou primeiro. Na última curva para a esquerda estava na frente, mas Valentin foi melhor nos 50 metros que antecederam a meta. A bandeira francesa tardou a chegar ao Tour, mas foi colocada lá bem no alto, na Lua do Ventoux.