Pelos lados de Paris, os holofotes apontam numa só direção: o Parc des Princes. A capital francesa e os olhos do mundo, bem como as manchetes dos jornais, rendem-se ao PSG, o mais recente vencedor da Liga dos Campeões.

No entanto, a poucos metros do recinto da equipa mais falada na Europa nos últimos dias, encontra-se um estádio que também fará parte do roteiro da edição 2025/26 da Ligue 1, o Stade Jean-Bouin. É esta a casa do Paris FC.

Mas que clube é este? Vizinho do PSG, o Paris FC até pode pode estar alguns patamares abaixo do agora campeão europeu, mas a verdade é que também dá motivos para sorrir aos seus adeptos.

Antoine Arnault e Pierre Ferracci numa conferência de imprensa @Paris FC

A muralha caiu. Depois de tantas tentativas falhadas, o emblema parisiense garantiu o que há muito perseguia: a subida à Ligue 1. Discretamente, sem promessas grandiosas, mas com uma consistência implacável que resistiu ao desgaste da temporada. Além disso, a meio da época, o império LVMH, liderado por Bernard Arnault - o homem mais rico da Europa-, decidiu investir no emblema da capital francesa.

Durante anos remetido ao esquecimento, o Paris FC transformou-se, de forma súbita, num ativo altamente cativante no panorama do futebol europeu. Nesta reportagem, o zerozero analisa a história e o percurso do clube parisiense, agora promovido à elite do futebol gaulês, e recolhe os ecos da rua, ouvindo aquilo que os adeptos dizem nos arredores da capital.

As origens de um clube com uma história atribulada

O Paris FC nasceu em 1969 com a ambição de dar à capital francesa um clube de referência. A aventura a solo foi efémera, pois, no ano seguinte, fundiu-se com o Stade Saint-Germain, dando origem ao Paris Saint-Germain - sim, esse PSG!

A fusão, inicialmente, deu frutos. Logo na primeira temporada, o novo PSG venceu a Ligue 2 e alcançou a tão desejada promoção. No entanto, dois anos bastaram para que o projeto desabasse. Em 1972, divergências internas e questões políticas ditaram a separação. O Paris FC manteve-se na Ligue 1, enquanto o PSG foi despromovido para a 3ª divisão.

O destino, contudo, trocaria as voltas aos dois projetos. O PSG, partindo de baixo, começou a construir lentamente o seu império, após grandes investimentos. Já o Paris FC, nas décadas seguintes, viveu longe dos maiores palcos, num trajeto marcado por subidas e descidas e uma constante tentativa de se afirmar num cenário dominado pelo vizinho mais famoso.

Amigável entre PSG e Paris FC @Paris FC

A realidade é que a história do clube foi feita de recomeços e aproximações a outros projetos - como o Racing Paris nos anos 80 - mas este nunca perdeu a identidade. Para os adeptos, estas fases fazem parte da riqueza do clube: «Não é apenas sobre fusões ou separações - é a história de um clube que lutou para existir numa cidade dominada por um único nome», destacou o líder do coletivo de fãs Passion Paris FC.

Hoje, o Paris FC colhe os frutos de toda a resiliência. A promoção à Ligue 1 marca o início de uma nova etapa, mas também valida um percurso feito de ambição. O clube chega à elite não como um outsider, mas como uma estrutura que, depois de muitos anos à margem da subida, com várias presenças nos playoffs, parece finalmente pronta para competir no principal escalão do futebol gaulês.

«A família Arnault disse que está nisto a longo prazo»

No novo século, o PSG foi-se tornando um clube de capa de revista, sempre nas bocas do mundo. Primeiro apareceu Zlatan Ibrahimovic, depois Neymar, Mbappé e Messi - com as luzes e os dramas a não pararem. Tudo isso foi possível porque, em 2011, o clube foi vendido ao fundo de investimento do Catar, o QSI (Qatar Sports Investments). A partir daí, a sua trajetória mudou bruscamente, com a conquista de 11 títulos da Ligue 1.

Numa perspetiva diametralmente oposta, o Paris FC não só não conquistava troféus como também não dispunha do mesmo poderio financeiro. Subitamente tudo começou a mudar. Em 2020, o governo do Barém adquiriu cerca de 20 por cento da equipa e a história começou a reescrever-se. Os anos seguintes à injeção de capital foram promissores, com várias tentativas de subida, como mencionado anteriormente. O futuro parecia risonho - e ainda havia mais por vir.

Em novembro do ano passado, a Agache Sport, pertencente à família Arnault, em parceria estratégica com a Red Bull, adquiriu grande parte do clube. O primeiro grupo, liderado por Bernard Arnault - o homem mais rico da Europa, repetimos -, comprou mais de 50 por cento das ações, enquanto a marca austríaca ficou com uma participação minoritária. A expectativa é que nos próximos anos ambos os investidores detenham 95 por cento das ações: 80 por cento para os Arnault e 15 por cento para a Red Bull.

«É excelente para o futebol francês, que atravessa dificuldades sérias. Ter o homem mais rico do país a investir num clube só pode ser positivo», defendeu o jornalista Arnaud Hermant (L'Équipe) ao zerozero, ao referir-se ao impacto estrutural da operação.

Esta mudança agitou o clube e, coincidência ou não, a subida foi conquistada nesta temporada. É a primeira vez desde 1978/1979 que os parisienses vão marcar presença na Ligue 1. A primeira divisão do futebol francês volta assim a ter dois clubes de Paris. A última vez que tal aconteceu foi em 1989/1990, quando PSG e Matra Racing partilhavam o escalão.

«Há um verdadeiro impulso a formar-se, sente-se uma mudança de direção e ambição clara. A nível de estrutura, dá para perceber que as fundações estão mais fortes», confirmou também o gestor da página de redes sociais Passion Paris FC, que preferiu não ser identificado.

Festa da subida para a Ligue 1 @Paris FC
«A chegada do novo proprietário veio dar uma vida nova»

Depois de 46 anos sem disputar a Ligue 1, e após ter estado perto da subida por quatro vezes - ficando sempre pela primeira fase do playoff de promoção (2018/19, 2020/21, 2021/22 e 2023/24) -, o Paris FC conseguiu finalmente ultrapassar o obstáculo. O meio da temporada foi atribulado, como de costume, mas desta vez o plantel não se desfez.

A mistura entre jogadores novos e veteranos funcionou na perfeição. Na opinião de Hermant, o sucesso deve-se, em grande parte, ao facto de a equipa ter sido «bem reforçada no verão passado», destacando ainda o «muito bom trabalho de Stéphane Gilli». A chegada de Maxime López, ex-Sassuolo e ex-Fiorentina, e de Jean-Philippe Krasso, ex-Saint-Étienne e ex-Crvena Zvezda, foi fulcral. Curiosamente, na visão do jornalista do L'Équipe, estes dois foram os melhores jogadores da equipa esta temporada.

Já os adeptos têm uma leitura diferente das épocas anteriores: «Cada temporada é diferente. A realidade é que cada perda também é uma oportunidade para novos líderes emergirem. Às vezes, só falta um líder de balneário, um pilar humano», afirmou o nosso interlocutor do Passion Paris FC.

Maxime López @Paris FC
«O Paris FC será construído na sombra do PSG»

A relação entre os emblemas da capital francesa pode voltar a ser reatada. A proximidade entre os estádios dos clubes, como já foi referido, é evidente. Esta temporada, os confrontos entre as duas equipas serão dos aways mais próximos do mundo. Além disso, há atualmente outro fator que poderá vir a ligar ambos os clubes. «Antoine Arnault [filho mais velho de Bernard Arnault] é uma presença regular no Parc des Princes e mantém uma relação amigável com Nasser Al-Khelaïfi [presidente do PSG]», afirmou Hermant.

«Não estão a competir. O Paris Saint-Germain, campeão da Europa, está atualmente numa dimensão bastante diferente. O Paris FC será construído na sombra do PSG, mas penso que há espaço para outro projeto. Gostava que o Paris FC se mantivesse na Ligue 1», acrescentou.

A incrível proximidade entre os dois estádios @Imago

Em termos de confrontos diretos oficiais, não existe uma história rica entre os dois emblemas gauleses. Na Ligue 1, defrontaram-se apenas duas vezes, na temporada 1978/1979, com ambos os jogos a terminarem empatados.

A visão do líder do Passion Paris FC sobre a relação entre os clubes é clara: «Mantemos uma relação baseada no respeito com o PSG. São dois projetos muito diferentes. Eles estão focados no reconhecimento internacional, enquanto nós estamos a construir algo de forma progressiva, junto da comunidade.»

Como diz o ditado: sonhar é de graça

A realidade é que os protagonistas do Paris FC, na próxima temporada, vão ter responsabilidades acrescidas - afinal, esta é uma oportunidade única para o clube se estabelecer no principal palco do futebol francês. Não há garantias de que existirão grandes mudanças no plantel dos azulados, todavia a casa já está a ser revirada...

qGostava que o Paris FC se mantivesse na Ligue 1
Arnaud Hermant, jornalista francês

«Estamos a atravessar uma fase crucial. O clube está a preparar os últimos retoques: está a haver uma modernização do centro de treinos, estão a fortalecer a estrutura da equipa e a construir laços fortes com os adeptos», descreveu o responsável pela página Passion Paris FC.

No entanto, nem tudo pode ser um conto de fadas, tal como o fervoroso apoiante admitiu: «Existem desentendimentos. A maioria deles reside no ritmo da evolução. Alguns elementos querem agir rápido e investir em craques; outros defendem que a paciência e o desenvolvimento de jovens é melhor. No fundo, todos querem o mesmo: ser uma presença regular na Ligue 1. A diferença reside na estratégia.»

Uma coisa é certa: depois de um passado atribulado, o futuro do conjunto gaulês é risonho. Tão promissor que, confrontado com a questão de se o clube poderá ser campeão nacional em poucos anos, o líder do Passion Paris FC afirmou: «Uma luta para conquistar o título? Contra o PSG? Ninguém pode prever o futuro, porém uma coisa é certa: o dia em que o Paris FC jogar uma partida decisiva contra o PSG será histórico - e estaremos prontos

* por David Albano