
«Ganhar aos alemães pode nem ser difícil», diz Humberto Coelho, ao telefone com o zerozero.
A voz não traz o mais ténue indício de provocação. Não o diz por audácia nem com postura de autoridade, mas também rejeita falsas modéstias. É, apenas e só, o pensamento de um homem descomplexado, que assim fala acerca do jogo desta quarta-feira porque acredita piamente que a vitória está ao alcance.
A assertividade não é de estranhar. Afinal, para lá de ser uma figura relevante na história do futebol português, é ele o responsável pela última vez que Portugal bateu a Alemanha, há um quarto de século. De lá para cá foram cinco derrotas em cinco confrontos, todos em fases finais de grandes competições.
O folclore futebolístico diz que os germânicos ganham sempre no fim, mas esse dia serviu de exceção. Os portugueses ganharam e ganharam bem, construindo, mesmo com os nomes mais pesados no banco - Figo e Rui Costa nem entraram -, um marcador de 3-0. Uma das mais brilhantes páginas no livro do nosso futebol.

No mês em que marca os 25 anos do Euro 2000, Humberto Coelho, então selecionador, guia-nos pelas memórias dessa caminhada lusa, com destaque especial para uma noite feliz em Roterdão. Venha connosco.
A reviravolta que «mudou o rumo das coisas»
Antes de uma vitória com as segundas linhas frente à Alemanha ser sequer uma ideia verosímil (se é que alguma vez o foi), Portugal teve de dar alguns passos na direção certa. A bússola foi alinhada na fase de qualificação e levou ao bom ambiente na chegada à fase final da competição, em território belga e neerlandês.
«De facto havia um grande plantel de jogadores que jogavam em grandes clubes no estrangeiro e em Portugal. Tínhamos um grupo preparado para o melhor e isso foi importante», começou por dizer Humberto Coelho, à conversa com o nosso jornal. «Podíamos ter sido campeões europeus, mas mesmo assim acho que estivemos bem e que foi um bom torneio.»
O otimismo não era gratuito. Desde cedo se sentia que aquela seleção poderia marcar uma era, e o início da campanha, frente a Inglaterra, não deu provas do contrário. Dois golos (Paul Scholes e McManaman) sofridos nos primeiros 20 minutos não abalaram os portugueses, que tão bem responderam...
«Estávamos preparados para tudo e o futebol é assim mesmo. Tivemos pouca sorte, errámos e isso ajudou a Inglaterra a chegar aos dois golos quando estávamos a jogar melhor. Mas mesmo assim acreditávamos que era possível vencer e foi isso que aconteceu. Fizemos um jogo muito inteligente e de grande técnica.»
Técnica é, talvez, uma das palavras-chave para descrever uma reação que contou com empate ainda na primeira parte, com o segundo golo a chegar depois de uma sequência de um minuto de posse no meio-campo inglês. «Isso, por si só, mostra a nossa capacidade», recorda o antigo selecionador, hoje com 75 anos.

Golos de Figo, João Pinto e Nuno Gomes construíram o 3-2 e uma belíssima reviravolta. No segundo jogo, frente a uma Roménia que já tinha superado os portugueses na fase de qualificação, foi um golo de Costinha aos 90+4 que deu a vitória (1-0) e selou a passagem ao fim de apenas dois jogos.
Volvidos 25 anos, o mister ainda tem dificuldades para escolher o momento predileto. «A gente quando marca golos é sempre bom», atira, entre risos, antes de notar, mais friamente, que começou a ficar feliz desde o primeiro golo a Inglaterra. «Senti que poderia ser o início da nossa recuperação e depois o terceiro golo foi extraordinário.»
«Essa remontada mudou o rumo das coisas, porque os outros jogos certamente não teriam sido como foram.»
Bastaram os suplentes e «até o terceiro guarda-redes jogou»
Chega, depois de Inglaterra e Roménia, o terceiro jogo da fase de grupos. Aquele que encabeça esta reportagem e que tenta dar alguma força para a iminente final four da Liga das Nações. A temível Alemanha.
Claro que há aqui um ligeiro exagero, pelo que só podemos alertar o leitor para isso, atenuando, de certa forma, o efeito dramático. Afinal, aquele conjunto do virar do século estava longe de ser a melhor versão da mannschaft e o facto de Portugal já estar matematicamente apurado também tirava algum interesse ao jogo, até Humberto Coelho ter decidido dar uso a todas as suas peças secundárias...

«Até o terceiro guarda-redes jogou! Jogaram todos. Era lógico até, porque estávamos apurados. Uma coisa que muitas vezes é difícil é os jogadores que não jogam fazerem um bom grupo. Cria uma azia muito grande. Ali não foi o caso, porque jogaram todos e depois o resultado também foi um bom resultado, até porque a Alemanha não é uma equipa qualquer.»
Um, dois, três. O titã Oliver Kahn batido por uma vez na primeira parte e por mais duas na segunda, enquanto o mítico Lothar Matthaus, no seu último jogo internacional, assistia impotente. 3-0. Todos os golos foram marcados por Sérgio Conceição que, lá está, tinha sido suplente nos primeiros dois jogos.

«Um jogador que não tinha jogado muito e que entrou com vontade. Isso foi crucial. Jogava na Lazio, um clube de grande eficácia. Ele lutou e viu-se o fruto do trabalho dele. Eu via nos treinos que todos os jogadores estavam em boa forma. Todos podiam jogar contra a Alemanha e iam valorizar a equipa. Essa era minha visão e era também a visão deles», conta o ex-selecionador, lenda do Benfica nos tempos de jogador.
Esta visão contrasta, em parte, com a postura de muitos selecionadores atuais que, alegando pouco tempo de trabalho com a equipa, preferem apostar num núcleo duro de atletas e relegar os restantes a um quase permanente papel secundário. Não tem necessariamente de ser assim, até porque essa abordagem levanta outros problemas.
«A seleção tem os melhores jogadores portugueses, todos das melhores equipas do mundo. Entramos com esses jogadores e está tudo bem, o problema é que os que ficam no banco também são grandes jogadores... Se não houver uma resolução, se a equipa não estiver em sintonia, pode dar mau resultado», reflete Humberto Coelho, na sua conversa com o zerozero.
«Mas ali existia sintonia. Quem saía não ficava com má cara por sair. Quem entrava não ficava com má cara porque só entrava naquela altura. Isto é um problema difícil nas seleções, mas os jogadores têm de saber que não é por falta de qualidade que não jogam, têm de saber que só podem jogar onze. Naquele grupo, essa situação estava bem determinada.»
A queda e um olhar sobre o presente
Seguiu-se, nos quartos de final, uma vitória por 2-0 frente à Turquia. Nuno Gomes, cuja titularidade no Europeu já tinha sido uma surpresa e prova da abordagem do selecionador, marcou ambos os golos. Depois veio a meia-final, durante décadas a barreira invisível para a seleção portuguesa que, uma vez mais, caiu frente à França.
Nuno Gomes voltou a marcar, colocando a equipa das quinas na frente ao 19º minuto. Thierry Henry empatou na segunda parte e o jogo avançou até que foi resolvido por um golo de ouro de Zinédine Zidane aos 117 minutos. Noite dura em Bruxelas, marcada por protestos portugueses e, para a lista, mais uma final que escapou entre os dedos.
«Foi um penálti que penso que hoje em dia não seria marcado, porque o Abel Xavier estava no chão, quase sentado. O árbitro marcou, mas pronto. A verdade é que tivemos oportunidades e o próprio Abel teve uma boa oportunidade para nos dar o jogo, mas o Barthez fez uma grande defesa», recorda.
«Foi um bom jogo e jogámos bem. Não merecíamos perder daquela maneira. Estivemos muito perto de passar, mas as coisas nem sempre acontecem como queremos.»
Depois dessa eliminação, Humberto Coelho, que durante o torneio já tinha lamentado a falta de oferta de renovação por parte da federação, anunciou a sua saída do cargo no fim de um ciclo de dois anos que só podia ser considerado um sucesso. O antigo selecionador não quis abordar essa temática, mas de bom grado aceitou o convite para antever o Alemanha - Portugal desta quarta-feira, apontando como exemplo, naturalmente, o tal confronto com os alemães no Euro 2000:

Portugal [ ]
Euro 2000
5 Jogos
4 Vitórias
0 Empates
1 Derrotas
10 Golos
4 Golos sofridos
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«Entrámos muito bem no jogo. Houve jogadores novos que quiseram mostrar que também eram bons e isso foi fundamental. A Alemanha não estava em grande forma e o que é certo é que nós aproveitámos isso, mas também jogámos melhor, tivemos as melhores oportunidades, fomos eficientes», diz, antes de se virar para a atualidade.
«Se podemos ganhar novamente? Acho que sim. Temos de ver que a Alemanha é uma equipa poderosa, mas temos acima de tudo de jogar de uma forma em que sejamos melhores que os alemães. Muitas vezes ficamos atrás na parte física, não somos tão fortes nem agressivos, mas se formos cautelosos e jogarmos esse jogo, bem alinhados, penso que podemos ganhar aos alemães.»
«Pode nem ser difícil», remata o antigo selecionador, que parece já ter inspirado o atual timoneiro da seleção nacional. Roberto Martínez, na conferência de imprensa de antevisão ao jogo desta quarta-feira, verbalizou o seguinte desejo:
