O Benfica enfrenta na quinta-feira o primeiro grande desafio da nova época. Depois de uma pré-temporada atípica, com apenas o ensaio diante do Fenerbahçe, e que de certa forma encaixa na participação no Mundial de Clubes – ainda que, em tese, este diga respeito à temporada anterior e os encarnados não tenham apresentado ideias novas ou reforços –, passa-se de repente a um teste de maior exigência, com o bicampeão pela frente. Um Sporting que terá rapidamente de esquecer aquele que mudou todos os planos em Alvalade: Viktor Gyokeres.

A amostra é pequena e podemos juntar-lhe as frases feitas habituais, todas verdadeiras, que fazem parte do folclore futebolístico e surgem sempre nesta altura: os reforços vão crescer naturalmente ao perceberem melhor como vão funcionar no novo contexto, todos os que fazem parte do grupo irão melhorar os índices físicos e mostrar mais e há dinâmicas que forçosamente aparecerão só pelo facto de haver futebolistas diferentes e que serão complementadas com o que se trabalha durante a semana.

Os encarnados voltam a não partir do zero, mas decidiram mexer na estrutura, sobretudo naquilo que se chama habitualmente de sala de máquinas: o meio-campo. Os que ficam transportam ideias que vêm de trás e que estão nas suas cabeças há meses.

Bruno Lage baixou em metros e até no nível de agressividade a pressão alta anteriormente plantada por Roger Schmidt, sobretudo nos primeiros tempos da vigência do angriffpressing. Quis recuperar a bola mais tarde para convidar os adversários a avançar e assim ganhar espaço para poder atacar a profundidade, o que tornou Akturkoglu um jogador importante desde os primeiros encontros. Compensou ainda com Aursnes enquanto terceiro médio um lado direito mais permissivo, muitas vezes ocupado por Di María, e soube explorar as transições defesa-ataque.

A equipa estabilizou, reaproximou-se – aproveitando crises em Alvalade e no Dragão – e ameaçou dois títulos, conquistando outro. Perdeu pontos quando não soube controlar o jogo e sentiu muitas dificuldades quando enfrentou blocos mais baixos, problemas com rasto há várias temporadas. O perfil dos jogadores contratados apontava para essa fragilidade e as apostas de Lage acabaram por não trazer melhorias, bem pelo contrário. Ao não aproveitar alguns sinais de crescimento de Schjelderup e Prestianni e ao permitir a saída de Rollheiser, o técnico inclinou-se em definitivo para um modelo que foi resultando, porém não resultou em definitivo, por ser curto em determinados cenários.

O vislumbre do 4x2x3x1

As movimentações de mercado, com a saída de Kokçu e a possível entrada de talentos como Thiago Almada e João Félix (e depois Enzo Barrenechea e Richard Ríos), indiciavam o regresso ao 4x2x3x1. Nem o argentino nem o português iriam jogar no meio-campo, e a contratação de um 6 e de um 8 impositivos confirmava-o.

Na Luz, começou-se de trás para a frente, pelos laterais, depois pelos dois médios do duplo-pivot. Perdeu-se entretanto o sul-americano para o Atlético Madrid e quando as águias se preparavam para fechar o português este foi convencido a mudar-se para a Arábia Saudita.

Tanto Almada como Félix foram quase encarados como bónus. Seriam ser sempre negociações difíceis e de resultado incerto, por isso era preciso paciência e serem temas paralelos. O resto tinha de avançar. No entanto, os seus nomes também ajudavam numa segunda via: as eleições de outubro.

Só que, mesmo com a pequena amostra da Eusébio Cup, se percebeu que não bastava mexer na sala de máquinas – Enzo e Ríos acrescentam qualidade de passe progressivo e metros com bola em relação a Florentino e Kokçu –, porque a equipa continua carente de talento no último terço. Fosse Almada, Félix ou qualquer outro, é necessário um jogador desse perfil. E não deve ser encarado como bónus, mas sim como elemento fundamental.

Sem 10 entra em ação o 4x4x2?

O Benfica precisa de mais um avançado para ser concorrente de Pavlidis. Todavia, não será suficiente. O grego precisa de ajuda, antes de precisar que lutem com ele por um lugar.

As águias precisam de qualidade entre linhas e passes de rotura, esteja este fornecedor já metido por dentro ou ter aí chegado vindo de um dos flancos, eventualmente o esquerdo.

Com Schjelderup (melhor solução para o ataque posicional) ou Akturkoglu (se Lage insistir na verticalidade) na esquerda, na Luz poderá apostar apenas num elemento a contratar. Se, no entanto, o reforço se sentir melhor a vir desse flanco para dentro, até o 4x4x2 poderá entrar na equação, com os dois avançados com papeis divergentes: se for contratado Ivanovic, caberá a Pavlidis a ligação, por exemplo, e ao croata o ataque ao espaço. Contudo, só parece fazer sentido com o tal terceiro médio ofensivo/extremo presente.

Haverá Henrique Araújo para a rotação.

Mais um extremo à direita

Depois, sim. Há que dotar a direita de mais um extremo, porque Aursnes, embora se possa refugiar aí, será curto ofensivamente em alguns encontros – mesmo com a projeção de Dedic –, mesmo depois de se ter avançado para o tal médio ofensivo e o tal concorrente (ou companheiro de ataque) de Pavlidis. A premissa já era verdadeira antes da lesão de Bruma, pela sua irregularidade, ainda mais agora com a sua lesão grave.

É necessária mais qualidade. O Benfica tem jogadores mais completos, mas ainda não necessariamente mais soluções.

A situação de João Veloso

Diante do Fenerbahçe, a surpresa foi João Veloso. Jogou no triângulo do meio-campo, em que Enzo foi o vértice mais recuado e Richard Ríos se projetava um pouco mais (pelo canal interior) à direita. O jovem português assinou exibição muito agradável.

Veloso funcionou muitas vezes como segundo organizador numa fase inicial ou intermédia da construção, e apareceu em algumas transições velozes perto das zonas de finalização. É, naturalmente, um elemento de ligação, porém não o 10 (chamemos-lhe assim) que a equipa precisa neste esquema. Marcou pontos, acredito, sobretudo no que diz respeito à sua utilidade durante a época.

Os pontos que marcou terão complicado ainda mais a vida a Leandro Barreiro, que fez sentido para a tal pressão de Schmidt, porém nada acrescenta a qualquer um dos outros médios com a bola nos pés. Parece claramente a mais nesta fase da sua carreira e com o atual contexto.

Poderia o jovem libertar Ríos para esse posicionamento necessário? Dificilmente, porque o colombiano embora arrisque no passe é também ele, essencialmente, um elemento de ligação, com enorme capacidade de transporte de bola. É muito bom jogador, porém definitivamente um médio-centro, um 8 com chegada, o tal upgrade a Kokçu na parte da presença mais próxima da baliza.

Se Lage entender que um 10 não é essencial e acabar por apostar num segundo avançado – como já fez antes, na primeira passagem, quando o Benfica vendeu Félix –, com o tal médio ofensivo a vir da esquerda, é preciso lembrar que Samuel Dahl não é Carreras.

A influência de Carreras

Embora já seja passado para os encarnados e até tenha sido substituído por dois jogadores – Dahl e Obrador, com o sueco a partir na frente pela antiguidade –, a influência que Álvaro Carreras tinha na equipa está longe de ter sido recuperada.

O espanhol transferido para o Real Madrid era fundamental na primeira fase de construção, apresentava cada vez maior certeza no passe progressivo – que queimava muitos metros –, mostrava-se revelante no escasso ataque posicional criado pela equipa através da capacidade de ocupar diferentes terrenos e era fundamental na largura. Quem a dava à esquerda era o lateral, sobretudo quando a equipa atraía do outro lado, algo que vai continuar a conseguir fazer, sobretudo se Tomás Araújo roubar o lugar a António Silva.

Não era Akturkoglu, que não só não chama a jogo o seu lateral como raramente lá anda. E Dahl e Obrador não têm perfil, aparentemente, para tamanha profundidade. Pelo menos, a partirem como laterais de uma linha de 4.

O tal puzzle incompleto

É claro que o grupo de trabalho, tal como está, pode ser suficiente. Há muitas fatores que influenciam uma temporada, inclusive os rivais. No entanto, o Benfica ainda tem pelo menos três peças por encontrar para o seu puzzle, o que torna o cenário atual aparentemente insuficiente para o que aí vem.

Na verdade, os encarnados podem sempre tentar mercados menos explorados para chegar a essas peças, ainda que na atual janela qualquer bom jogador que se preze já pareça custar mais de 20 milhões. É a altura de o scouting entregar soluções e a direção desportiva atuar muito mais rápido do que tem acontecido para fechar negócios. Ou arrisca-se a perder mais alguns alvos e a ficar dependente do que os outros clubes não querem, como já aconteceu na gestão de Rui Costa.