Não será game, sets and match, que isto é ciclismo e há todo um conjunto de peripécias que podem suceder, de quedas e incidentes que podem comprometer quem parecia destinado a participações históricas (não olhes, João Almeida). Não será game over porque Vingegaard é um bicampeão do Tour, porque Vingegaard é um craque, a Visma é uma equipa especialista em ratoeiras e faltam oito dias de competição, muitos deles de montanha. Há o Mont Ventoux, o Col de la Loze, La Plagne.

O Tour de France 2025 não tem vencedor definido, mas já entramos no campo do “se nada de estranho acontecer”. Estamos na área do “se for tudo normal até final”. Tudo isto quando só houve duas etapas de montanha, duas tardes de Pirenéus, outrora consideradas abordagens iniciais, momentos para medir as pernas de cada um, para lançar as bases do que seria a última semana nos Alpes.

Mas estes não são tempos normais. São tempos de Tadej Pogačar, que parece pedalar mais contra Eddy Merckx ou Bernard Hinault do que frente aos seus adversários atuais, transformados em testemunhas, não tanto em oposição.

Depois do show no Hautacam, a superioridade em Peyragudes. Um triunfo violento, brutal, agressivo. 23 minutos certos para fazer a subida, uma média superior a 28 quilómetros por hora. Vingegaard, que esteve muito bem e até dobrou Remco Evenepoel em cima da meta, perdeu 36 segundos. Em que nível estamos quando pensamos que o dinamarquês está forte, é forte, mas está tão longe do rei-sol? Falta mais de uma semana e Tadej, o impossível em cima de duas rodas, tem mais de quatro minutos de avanço na luta pela amarela.

Dario Belingheri

Na Volta a França que se afasta dos contra-relógios, que nega as grandes jornadas em solitário de 50 quilómetros, os 33 quilómetros de contre la montre de Caen, na etapa 5, foram os únicos espécimes puros de uma arte em vias de extinção. Seriam um prólogo alargado nos tempos de Armstrong, são agora considerados suficientes por uma organização que prioriza tiradas que entende serem televisivamente mais apelativas.

Assim, os outros 10,9 quilómetros a solo da 112.ª edição da maior das corridas foram em subida. De Loudenvielle, tão perto de Espanha, a Peyragudes, subindo os 8,1 quilómetros com pendente média de 7,6%, ficando o mais duro guardado para o final, com uma rampa de 17% a dar as boas-vindas à meta.

Subiu-se até ao aeroporto adjacente à estância de esqui dos Pirinéus, onde Valverde venceu em 2012, Bardet em 2017 e Pogačar em 2022, local muito popular para o snowboard e também já de importância relevante para as bicicletas.

Um adepto com a camisola do Benfica não parece muito entusiasmado com a passagem de um corredor longe dos primeiros lugares
Um adepto com a camisola do Benfica não parece muito entusiasmado com a passagem de um corredor longe dos primeiros lugares Dario Belingheri

O desfile de horas e horas de corredores sem aspirações à geral não deve ser muito apelativo para o negócio das audiências. Deu para tentar aprender a escrever Roel van Sintmaartensdijk, o antepenúltimo classificado, sem recorrer ao copy paste. Talvez os alunos que fizeram hoje a segunda fase do exame de Português se safassem melhor que o autor destas linhas, que falhou no passatempo.

Minutos antes do começo da etapa, a organização anunciou que o tempo limite para evitar desqualificações era de 40%, isto é, ninguém podia gastar mais do que 40% do melhor da jornada. Inicialmente, estava previsto que a fasquia fossem os 33%, mas havia legítimo receio que uma subida histórica de Tadej eliminasse boa parte do pelotão. A mudança salvou vários corredores de irem mais cedo para casa.

Desde o início que foi evidente que Pogačar voava. A pedalada era predatória, como se perseguisse o horizonte estimulado pela luta pela eternidade. São já 21 vitórias de etapa no Tour, a 14 do recorde de Mark Cavendish.

O campeão do mundo foi sem rádio para lhe dar os tempos. Foi a fundo. Na meta, ganhou 36 segundos a Vingegaard, que segue em segundo na geral, já a 4,07 minutos do tricampeão.

Tudo o resto vive num planeta distante. Primož Roglič, em dia de mostrar a classe que tem, foi terceiro, a 1,20 do compatriota que certo dia se fez grande ao tirar-lhe um Tour. Evenepoel foi a desilusão, sendo dobrado por Vingegaard, que partiu dois minutos depois. Foi somente 12.º e fecha o pódio, prevendo-se luta acérrima entre o belga, Oscar Onley, Kévin Vauquelin e Roglič, todos afastados por um minuto e meio na discussão por partilhar fotografia com a Torre Eiffel atrás ao lado dos extraterrestres.

Ainda há muito Tour. Mas, "se nada de estranho acontecer", Pogačar vencerá. Os seus verdadeiros adversários — Mercx, Hinault, Indurain e Anquetil — ficam só a uma Volta a França de distância.