Na segunda-feira passada, dia 28 de abril, pelas 11h33 (hora de Lisboa), Portugal mergulhou numa escuridão inesperada. Uma falha elétrica de grande escala deixou todo o continente sem luz, causando também uma quebra de 60% da produção de energia em Espanha.

Como admitiu ao jornal El País o diretor de operações da Red Eléctrica de Espanha (empresa que gere a rede neste país), Eduardo Prieto: “Tratou-se de uma desconexão súbita da geração elétrica, a qual provocou uma reação em cadeia na rede, sendo que o sistema não foi capaz de sobreviver.”

As conclusões preliminares da Red Eléctrica indicam que tenha havido duas perdas de produção abruptas num intervalo de cinco segundos, o que gerou uma reação em cadeia que conduziu ao colapso da rede elétrica. Na origem do incidente, fontes oficiais apontam para um possível desligamento de parques fotovoltaicos em Espanha.

Apagão em parques fotovoltaicos não é caso único

A confirmarem-se estas teorias, não seria a primeira vez que algo deste género aconteceu. Em junho de 2022, no Texas, uma avaria numa linha de transmissão na central movida a gás de Odessa desencadeou uma falha de tensão, desativando os inversores — convertem corrente contínua (a das baterias e dos painéis solares) em corrente alternada (a da rede elétrica) — nos parques fotovoltaicos.

Recorde-se que estes equipamentos dependem da rede elétrica para se sincronizarem em frequência e em tensão, sendo que, quando se verifica instabilidade nestes parâmetros, os mesmos desligam-se para proteger os painéis solares de danos.

Em termos práticos, no caso do Texas, isto significou uma perda de 10-15% da capacidade total de produção fotovoltaica, tendo a rede sido capaz de aguentar sem um apagão generalizado. Não deveria o mundo ter aprendido a lição com este exemplo real, para o qual já há relatórios e pareceres técnicos desenvolvidos?

Península Ibérica não tem fronteiras elétricas

Portugal e Espanha não funcionam como ilhas energéticas. Partilham, na prática, uma rede elétrica, organizada segundo os acordos do Mercado Ibérico de Eletricidade (MIBEL). Em média, o nosso país importa cerca de 10% da sua eletricidade de Espanha.

No momento do apagão, por sua vez esse valor estava mais elevado, situando-se nos 40%. Esta interdependência energética traz vantagens, mas também riscos. Quando a rede espanhola colapsou, o impacto no nosso território foi inevitável e total.

Contudo, aqui não se trata de apelos a uma ‘soberania elétrica’ ou de discursos nacionalistas, nem sequer de um ataque às fontes renováveis. Trata-se, isso sim, de chamar a atenção para a necessidade de reforçar a estabilidade e a resiliência da rede.

E isso faz-se com melhor coordenação, com medidas de contenção mais eficazes e com sistemas capazes de isolar falhas. Só desta forma é que se consegue que os estragos não se alastrem e que o reinício da infraestrutura não se transforme num ‘black start’ (restauração da luz através de centrais com capacidade de arrancar sem depender da rede elétrica pública) difícil de gerir.

Contrariamente a algumas opiniões, não existe uma transição “demasiado acelerada” para as fontes renováveis, desde que a rede disponha de mecanismos de limitação e de diminuição de prejuízos, e desde que os seus operadores possuam ferramentas de tomada de decisão que permitam lidar com os novos desafios das renováveis.

Alertas para o presente e lições para o futuro

À medida que os operadores e os gestores da rede elétrica integram mais fontes de energia intermitentes, a coordenação entre estas organizações, os produtores e as entidades reguladoras tem de ser reforçada, pois é vital.

Esta ação exige uma visão holística da rede ibérica, menos centrada no saldo importador/exportador e mais focada em ferramentas de apoio à decisão. E é precisamente aqui que a Inteligência Artificial (IA) terá um papel crucial.

Ao efetuar o processamento de grandes quantidades de informação a IA pode ser uma preciosa aliada quer a nível de no planeamento da rede quer na própria gestão em tempo real do balanceamento da mesma.

Para parques fotovoltaicos e eólicos, que precisam de uma rede estável para operar, os centros eletroprodutores de eletricidade renovável não podem continuar a ser apenas fornecedores passivos.

Estes têm de assumir um papel mais ativo na estabilidade da rede, com inversores e outros equipamentos preparados para responder a perturbações. Tal como os outros centros electroprodutores (como as hídricas e as centrais a gás), os parques fotovoltaicos devem garantir segurança e inércia (como não há um corte abrupto, permite continuidade da operação) à rede elétrica para reduzir instabilidade da mesma.

E, finalmente, para os políticos e para a sociedade em geral, este episódio alerta para a necessidade de respostas rápidas. Sem energia e sem comunicações estão criadas as condições para se instalar o pânico e para se difundirem teorias da conspiração (nem o SIRESP — Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal — escapou).

Com este acontecimento ficou clara a centralidade da eletricidade no quotidiano, na economia e até na defesa. Foi uma falha técnica, sim, mas também um teste à resiliência da população e do Estado ao que poderia ter sido um ciberataque ou o início de um conflito armado.

Quase todos enfrentam, uma vez na vida, o seu dia decisivo — quando estar à altura não é um pedido, é uma obrigação. Para os profissionais da EDP, da REN e dos centros de produção, este 28 de abril foi o dia.

Gonçalo Rodrigues,
Associate na LTPlabs