O novo programa do Governo pode ser aquele ponto de viragem pelo qual ansiávamos há muito. O momento transformador em que deixamos de aparecer na fotografia do mundo como o país ingovernável cuja principal qualidade é… o clima.

Temo-lo de excelência, é verdade, mas somos bem mais do que um país-paisagem.

O plano de obras públicas delineado pelo novo Executivo, que abrange desde a construção de habitação pública à criação de novas infraestruturas ferroviárias, rodoviárias, portuárias, energéticas e digitais, afigura-se como uma oportunidade rara: a de erguer um tecido empresarial moderno, competitivo e capaz de garantir o futuro económico do País.

Para além do investimento direto e do seu indiscutível efeito multiplicador, a aposta nas obras públicas gera, nesta altura, uma oportunidade invulgar: a de se deixar às novas gerações um sector moderno, capacitado e competitivo que, de uma vez por todas, trave a fuga de cérebros que nos empobrece a todos os níveis. Entidades públicas e privadas podem agora aliar-se para promover uma transformação estrutural, libertando-nos de um impasse económico que dura há demasiado tempo e que compromete a atratividade económica e financeira de Portugal.

A escala e diversidade dos projetos previstos — como a habitação pública e privada, o novo Aeroporto Luís de Camões, a linha ferroviária de alta velocidade Lisboa-Porto ou os programas de modernização portuária, entre muitos outros — implicam milhares de milhões de euros de investimento que, se adequadamente realizados, traduzir-se-ão em múltiplas oportunidades de contratação, inovação, engenharia e construção, qualificação de empresas e de pessoas.

Para além do impacto que cada uma das obras terá na sociedade portuguesa, na sua modernização e na sua competitividade no mundo (menos) global em que nos inserimos, a realização destes investimentos proporciona de per se a oportunidade de desenvolver um tecido empresarial robusto, que permaneça muito para além dessas obras. Não devemos construir apenas infraestrutura sólidas, modernas e sustentáveis, devemos também desenvolver empresas mais capacitadas, tecnologicamente competentes e que, porque adequadamente capitalizadas, têm possibilidade de oferecer bons salários aos seus colaboradores, estacando assim a fuga de cérebros que tanto nos penaliza.

O programa do Governo sinaliza algumas medidas que podem servir este objetivo. Da industrialização dos processos de construção, ao recurso a tecnologias como o BIM (sistema de modelagem de Informação da Construção) , passando pelos incentivos à reabilitação urbana, ao build-to-rent, à eficiência energética, à sustentabilidade e à digitalização, está identificada uma multiplicidade de oportunidades de capacitação.

O sucesso dependerá muito da forma como a administração pública venha a implementar os diferentes programas, tolhida que está pelos instrumentos à sua disposição no âmbito da contratação, de que se destaca o profundamente desequilibrado e desadequado Código dos Contratos Públicos.

Sabendo que todas as entidades que o utilizam – contratantes, contratados, reguladores e tribunais – reconhecem a sua desadequação, seria de elementar prudência que um dos primeiros passos fosse a revisão do Código, por forma a que, em vez de ser um promotor de burocracia, conflitualidade e atraso, se possa tornar um instrumento de excelência para o desenvolvimento.

Mas esse sucesso é também altamente subsidiário da qualidade da resposta do sector privado, da sua motivação para se reorganizar e criar capacidade, formando consórcios ou, preferencialmente, fundindo empresas, para que assim possam ganhar dimensão e massa crítica que lhes permita investir na qualificação e na inovação e assumir riscos e compromissos. São as maiores empresas as que possuem maior produtividade e que, por isso, podem pagar melhores salários e ter “músculo” para competir com que os players internacionais que estarão certamente presentes e ativos no nosso mercado.

O país não pode continuar a desbaratar oportunidades. Se este novo ciclo de investimento servir apenas para contratar multinacionais sem ligações ao tecido nacional e se insistirmos em erros passados, como a dependência do exterior, estaremos a comprometer o futuro dos que nos sucederão. Mas se formos capazes de aproveitar este impulso para dotar o ‘corpo’ empresarial de competitividade, sustentabilidade e responsabilidade social, deixaremos às próximas gerações algo mais valioso do que as infraestruturas: deixaremos empresas com futuro, postos de trabalho dignos e um país preparado para enfrentar as ameaças globais.

Este é o tempo de semear. E como reza um velho provérbio chinês: podemos escolher o que plantar, mas somos obrigados a colher o que semeamos.