
Em 1812, trabalhadores têxteis ingleses destruíram teares mecânicos em fábricas, numa tentativa desesperada de proteger os empregos. Ficaram conhecidos como “luditas”, símbolo de resistência ao avanço tecnológico. Hoje, o inimigo não é de madeira e ferro, mas invisível, lógico e eficiente: chama-se inteligência artificial (IA).
Dois séculos depois, o receio permanece: seremos substituídos por máquinas? A resposta é complexa, até porque o futuro é incerto e chega-nos em pedacinhos. O que está a acontecer não é uma “eliminação em massa” de humanos, mas uma redefinição das tarefas e das profissões.
Tal como a invenção da máquina a vapor ou da eletricidade, a IA está a redefinir o que significa “trabalho”. Mas há diferenças fundamentais: a velocidade e a amplitude. Enquanto revoluções anteriores levaram décadas a amadurecer, a IA evolui de forma exponencial e com um impacto alargado. Um estudo da OCDE refere que 63% das pessoas gosta mais do trabalho por causa da IA, mas 60% também receia perder o emprego.
Outras investigações recentes pintam um quadro de transformação do mercado de trabalho. A Goldman Sachs estima que 300 milhões de empregos poderão ser automatizados a nível global nos próximos anos. A McKinsey prevê que até 375 milhões de trabalhadores precisarão de mudar de função ou adquirir novas competências, até 2030. Mas a IA não é a única culpada. O problema não é a substituição de humanos por máquinas. O problema é que, se não soubermos usar a IA, alguém que saiba irá substituir-nos.
Hoje, assistimos à automatização de várias profissões. Operadores de call center estão a ser trocados por chatbots que atendem 24 horas por dia, que não fazem pausas para café, nem férias e até podem ser mais simpáticos e disponíveis. Contabilistas veem softwares interpretar balancetes e processar faturas em segundos. Motoristas e courriers enfrentam a ascensão de veículos autónomos e drones.
O que torna essas ocupações tão vulneráveis? São tarefas repetitivas, padronizadas, com regras claras e pouco espaço para julgamento humano. Exatamente o tipo de trabalho que a IA faz melhor, mais rápido e sem interrupções.
Vasant Dhar, no artigo When to trust robots with decisions, and when not to, da HBR (Harvard Business Review), propôs um modelo de duas dimensões: a previsibilidade e o custo dos erros. Nessa abordagem, é possível identificar tarefas humanas, robotizáveis e híbridas. Além disso, a evolução da tecnologia e da regulação alteram o posicionamento das atividades. É uma estrutura valiosa para organizações e decisores avaliarem, de forma sistemática, quando e como incorporar sistemas automatizados. E, como em revoluções anteriores, não significa o fim do trabalho — significa o fim de certas tarefas e o nascimento de outras. A McKinsey estima que, para cada emprego destruído, serão criados entre 1,2 a 1,5 novos empregos, desde que os trabalhadores desenvolvam novas competências.
O que diferencia os profissionais que prosperam? A chave é a complementaridade. A IA é poderosa, mas precisa de direção, supervisão, contexto e sensibilidade humana. Os profissionais mais bem-sucedidos serão aqueles que entendem como a IA funciona, sabem usá-la para ampliar a produtividade, têm pensamento crítico, adaptabilidade e empatia, combinam conhecimento técnico e empatia humana.
É o momento de agir. As empresas que mais crescem estão a investir em formação em IA, a reformular processos e a preparar lideranças digitais. Os profissionais que se destacam são os que estão a aprender, testar e aplicar novas ferramentas. Se ficar parado, será ultrapassado. Mas, se aprender a integrar a IA no seu trabalho, pode tornar-se mais produtivo, mais valioso – e quase impossível de substituir.
Não protele. A IA não vai bater-lhe à porta com um aviso, já entrou. A diferença será feita por quem a souber usar para ganhar poderes sobre-humanos e novas competências. A pergunta não é se a IA vai mudar o seu trabalho. A pergunta é: vai deixar que ela o substitua, ou vai usá-la para liderar