
O romance venceu a 3.ª edição o Prémio Luís Miguel Rocha, da Câmara e da Biblioteca Municipal de Viana do Castelo com a Porto Editora, tendo o júri realçado a "originalidade e consistência da trama narrativa".
Em entrevista à agência Lusa, o romancista disse que partiu para este projeto "por ter verificado ser quase inexistente, na nossa literatura, a abordagem ao problema da Censura em Portugal, no tempo da ditadura [1926-1974]".
"Idealizei escrever um romance que abordasse esta vertente, incluindo muitos outros aspetos inerentes à sociedade da época, com um sentido crítico", acrescentou.
António Breda Carvalho recebeu o prémio no ano passado, quando se comemoraram os 50 anos do 25 de Abril. O romance, por coincidência, é publicado esta semana, um ano depois.
Para o autor, o prémio, o momento em que foi atribuído e a coincidência da publicação, no entanto, terão "sempre um significado especial", desde logo pelo reforço da "memória de que Portugal durante 48 anos viveu sob uma ditadura", anos "fechados e claustrofóbicos por causa da Censura que não permitia a liberdade de expressão, nas ruas, nos meios artísticos e na comunicação social".
"Este é um livro para lembrar às novas gerações que se hoje Portugal é um país à beira mar plantado, antes do 25 de Abril de 1974 era um país sem jardim", afirmou.
A censura era dos aparelhos repressivos do Estado Novo que "mais se fazia sentir, no quotidiano", quer através da comunicação social, que estava sujeita ao "exame prévio" antes de serem divulgadas notícias ou reportagens, quer através das atividades artísticas, nomeadamente o teatro, com os ensaios vigiados e partes do texto cortadas pelos censores.
O tempo narrativo de "O Censor Antifascista" decorre entre inícios da década de 1970 até cerca de dois anos depois do 25 de Abril de 1974. O protagonista "é oriundo do campo, da ruralidade, humilde, e faz todo o seu percurso biográfico com vontade de singrar na vida, e de alcançar um nível social acima do da sua família de origem".
Viver em Lisboa era o sonho deste jovem que "queria ser um homem de cultura, fora daquele ambiente rural, fechado, campestre, onde levaria uma vida sem qualquer sentido especial", mas que esteve "várias vezes para desistir desse sonho".
Trata-se de um "romance autodiegético", isto é, o protagonista narra a sua própria história.
Ele jamais revela o seu nome, e "por diversas vicissitudes e peripécias que vão acontecendo, estando já a residir em Lisboa e com o serviço militar cumprido, paradoxalmente, acaba por exercer o cargo de censor, porque estava ligado às letras e tinha conhecimentos no meio militar".
O protagonista, antifascista, foi convidado a participar num aparelho repressivo da ditadura, apesar de "já ter ganhado consciência da situação em que se encontrava o país, até porque vivia numa pensão que era de um 'bufo'", disse o autor, referindo um termo pelo qual eram conhecidos, popularmente, os informadores da então polícia política, a PIDE-DGS (Polícia Internacional de Defesa do Estado - Direção-Geral de Segurança).
Dificuldades económicas levaram-no a aceitar o posto, "não por ideologia ou ser partidário do Estado Novo, mas por necessidade", "numa altura que estava prestes a desistir do sonho de viver na capital". Acaba por fazer um "jogo duplo" que leva os superiores a desconfiarem de si. E só escapa porque entretanto "'estoira' o 25 de Abril".
O autor quis, através deste romance, mostrar "o modo de funcionamento da máquina censória, a psicologia do censor, os truques que os jornalistas usavam para fugir aos cortes censórios, a desconfiança dos censores que aumentava se não encontrassem nada [para cortar]. Desconfiavam até da própria sombra. E é o protagonista quem descreve este ambiente vivido no gabinete de Censura".
A ditadura do Estado Novo, diz Breda de Carvalho, "dá pano para mangas", permitindo "criar vários romances e todos diferentes".
Como romancista, António Breda Carvalho pretende "criar personagens fortes, com alma própria, psicologicamente bem desenhadas, que não sejam bonecos de papel".
As suas preocupações são sempre "criar uma história bem arquitetada, bem articulada, que a escrita tenha qualidade literária, e que promova uma reflexão crítica do tempo presente ou passado, que tenha muito a ver com o ser humano com os seus esplendores, mas também com as suas misérias".
"Não me interessa contar uma história para entreter", argumentou o escritor, "apesar de a literatura ter uma função de entretenimento, mas um entretenimento pedagógico, que desperte consciências".
O autor reconheceu que os ambientes históricos podem ser uma fonte de inspiração, mas defende que o que escreve é "pura ficção literária, que pode até partir de um facto histórico". Mas não são romances históricos.
António Breda Carvalho nasceu na Mealhada, em junho de 1960, e é professor de Português no Ensino Secundário. Publicou várias obras de ensaio e ficção. Venceu o prémio António Feliciano de Castilho com "As Portas do Céu", em 2000, o Prémio João Gaspar Simões com "O fotógrafo da Madeira", em 2010, e uma menção de honra do mesmo prémio com "Os azares de Valdemar Sorte Grande", em 2012. Conquistou o Prémio Carlos de Oliveira com a "A Odisseia do Espírito Santo", em 2018.
Entre os seus livros publicados encontram-se ainda títulos como "Os Filhos de Salazar" (2016), "O crime de Serrazes" (2017), "Morrer na outra margem" (2018) e "A banda que tocou fora da Graça de Deus" (2019).
Neste momento diz não sentir motivação para escrever, mas admite voltar a fazê-lo: "Talvez na reforma, para me distrair".