O 'nevoeiro cerebral' que pode persistir após um surto de Covid-19 não é uma descoberta nova. De facto, muitas investigações têm associado esse sintoma da Covid prolongada à neuroinflamação que frequentemente acompanha uma infecção.

No entanto, cientistas estão a descobrir agora que esse dano cerebral pode ser muito mais permanente, levando mesmo a um risco aumentado de Alzheimer.

Como a Covid-19 causa inflamação no cérebro

Um estudo publicado no ano passado na revista Frontiers in Microbiology identificou quatro maneiras pelas quais as infecções por Covid nos pulmões causam inflamação no cérebro:

  • Ativação de uma resposta imune inata: A inflamação é um efeito colateral bem conhecido quando o seu corpo está a lutar contra um vírus;
  • Rutura da barreira hematoencefálica, que pode permitir que toxinas, patógenos e células inflamatórias entrem no cérebro;
  • Danos às células endoteliais, aquelas que revestem os vasos sanguíneos e que desempenham um papel na inflamação;
  • Perturbação da formação e funcionamento das células nervosas.

Como explica a American Brain Foundation, "as células cerebrais são diretamente afetadas durante uma resposta neuroinflamatória, e uma pessoa pode experimentar mudanças temporárias nos processos mentais e emocionais - pensamento, concentração, comportamento, humor, fadiga, motivação e assim por diante."

E prosseguem: "Se a inflamação se tornar crónica, duradoura ou recorrente por meses ou anos, pode ser uma preocupação séria para os pacientes. Na inflamação crónica, o sistema imunitário pode começar a atacar o tecido saudável."

Como é que a Covid se relaciona com a doença de Alzheimer?

Dois novos estudos fornecem evidências de que alterações cerebrais associadas à Covid-19 podem aumentar o risco de desenvolver doença de Alzheimer.

Primeiro, um estudo publicado no mês passado na revista Frontiers in Aging Neuroscience, descobriu que o vírus da Covid e a Chlamydia pneumonia, uma bactéria que causa infecções do trato respiratório, "podem predispor populações suscetíveis" à doença de Alzheimer.

Um comunicado de imprensa publicado no News Medical explica que ambas as infecções aumentam os níveis de citocinas no cérebro.

"Citocinas são proteínas que funcionam como mensageiros químicos no sistema imunitário", observa a Cleveland Clinic. "O excesso de citocinas pode levar ao excesso de inflamação e a condições como doenças autoimunes."

Os investigadores descobriram que ambas as infecções podem invadir o sistema nervoso central através da barreira hematoencefálica, bem como através do sistema olfativo, que eventualmente se conecta às áreas do cérebro responsáveis pela memória e cognição.

"Este caminho é particularmente relevante, visto que a perda do olfato é um sintoma precoce tanto da Covid-19 como da doença de Alzheimer", afirma o comunicado de imprensa.

O outro estudo, publicado na Science Advances, analisou a conexão entre infecções por Covid e placas amiloides.

Como explica o News Medical, as placas amiloides são aglomerados da proteína beta-amiloide que se formam nos espaços entre as células nervosas do cérebro: "Acredita-se que essas proteínas configuradas anormalmente desempenhem um papel central na doença de Alzheimer".

Para entender melhor essa conexão, os investigadores estudaram o tecido da retina (aquele que reveste a parte posterior do olho), pois já tinham determinado que pacientes com Alzheimer com acumulação de beta-amiloide no cérebro também apresentavam acumulação na retina. Além disso, também determinaram que a Covid-19 pode entrar nas células da retina.

Numa revisão do estudo, o Medical Xpress explicou: "Tecidos de retina humana recolhidos de pacientes com Covid-19, mas sem qualquer histórico de demência, também mostraram maior acumulação de beta-amiloide do que o encontrado em indivíduos saudáveis, num grau semelhante ao que os investigadores encontraram no tecido da retina de pessoas com doença de Alzheimer".

O autor sénior do estudo, Brian Hafler, professor associado de oftalmologia e ciências visuais na Escola de Medicina de Yale, disse ao Medical Xpress que a descoberta "reforça a hipótese antimicrobiana do beta-amiloide na doença de Alzheimer, sugerindo que o mesmo pode atuar como parte da resposta imune inata do cérebro contra infecções virais."