
O Cardeal D. Américo Aguiar presidiu a uma missa de sufrágio em memória do Sumo Pontífice, que liderou a Igreja Católica durante 12 anos.
Durante a homilia, o Bispo de Setúbal partilhou a dor sentida com a perda de uma figura que descreveu como próxima e inspiradora. “Sinto-me órfão, como se devem sentir tantos irmãos no sacerdócio, tantos leigos e leigas que dedicam as suas vidas à vida da Igreja. Mas também sinto a enorme responsabilidade que resulta do privilégio de ter conhecido tão de perto o Papa Francisco”, afirmou emocionado.
Recordando ainda o início do pontificado do Papa argentino, D. Américo destacou o pedido simples, mas marcante que Francisco fez ao mundo: “Rezem por mim”.
Um apelo que, segundo o bispo de Setúbal, encontrou eco diário “em todos os corações que batem ao ritmo da nossa Fé, assim como em tantos outros, sem distinção de raça ou credo”.
Descrevendo o pontificado como “extraordinariamente rico”, o Cardeal sublinhou a coragem reformadora de Francisco, visível tanto em decisões práticas, como a escolha de viver na Casa de Santa Marta ou o uso de um automóvel simples, como nas “maiores reformas de sempre na Cúria Romana”.
Um dos momentos mais emocionantes recordados por D. Américo foi a presença do Papa na Jornada Mundial da Juventude, em Lisboa, no verão de 2023. “O Papa revelou-se um autêntico jovem, cheio de coragem, de alegria e de determinação”, afirmou, destacando ainda a expressão “todos, todos, todos” que se tornou símbolo de inclusão no seio da Igreja.
O Cardeal partilhou também a dimensão pessoal da sua relação com Francisco: “Senti a alegria e a ternura do abraço do Papa. Este abraço assegurava que não estava sozinho, que não estamos sozinhos”.
Francisco, nascido Jorge Mario Bergoglio, foi lembrado como “um homem que ‘veio do fim do mundo’ para tornar o mundo mais próximo, mais justo e fraterno”. D. Américo evocou ainda o passado do Papa em Buenos Aires, onde celebrava missas nos bairros pobres, andava de autocarro e vivia com simplicidade.
A cerimónia reuniu mais de mil fiéis, dezenas de membros do clero da Diocese de Setúbal e representantes de várias instituições, unidos em oração pelo 266.º Papa da Igreja Católica.
Segundo o testamento deixado por Francisco, o seu corpo será sepultado na Basílica Papal de Santa Maria Maior, em Roma. No final da celebração, D. Américo deixou um apelo: “Continuemos a rezar pelo Papa Francisco e sejamos capazes de dar continuidade aos seus sonhos, todos centrados na pessoa de Jesus, que veio ao mundo para nos salvar.”
- Transcrição da homilia da celebração em sufrágio do Papa Francisco:
“«Rezem por mim», disse-nos o Papa desde aquela noite, na Praça de São Pedro, em que o mundo conheceu Francisco como sucessor de Pedro. E assim aconteceu desde então. Acredito que este pedido de oração teve um eco diário, em todos os corações que batem ao ritmo da nossa Fé, assim como em tantos outros, sem distinção de raça ou credo.
«Rezem por mim». Este é o pedido que nos traz aqui, esta noite. Celebrámos a Páscoa, passando pela Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus, o filho de Deus. E hoje rezamos, agradecidos, a vida de um dos seus discípulos, querido e respeitado por todos. Um homem que «veio do fim do mundo» para tornar o mundo mais próximo, mais justo e fraterno. Um homem que deixou tudo para trás para seguir Jesus, que passou por inúmeras dificuldades numa terra marcada por perseguições e violência. Um homem que sempre foi ao encontro dos mais frágeis, que celebrava a Missa nos bairros mais pobres de Buenos Aires. Um homem que andava de autocarro, que vivia sozinho num pequeno apartamento. Acredito que Deus o preparava para o pontificado, dando-lhe a força e determinação para fazer o que sentia que devia ser feito, sem se deixar manietar pelo «foi sempre assim».
Vemos isso nas escolhas práticas como ir viver para a casa de Santa Marta ou a escolha de ser transportado num carro o mais simples possível, até às grandes decisões que provocaram as maiores reformas de sempre na Cúria Romana. Vemos isso no afastamento de Padres, Bispos e Cardeais, por razões tornadas públicas, até ao papel de destaque que foi dando às mulheres e que progressivamente foram ocupando lugares de grande responsabilidade no Vaticano.
«Rezem por mim». E aqui estamos reunidos em nome de Cristo, unidos à volta da Sua mesa, para agradecer o pontificado do Papa Francisco, 12 anos, que nos parecem breves – passou tudo tão depressa – mas que foi longo e extraordinariamente rico por tudo o que nos disse e fez. Pelas portas e janelas que abriu; pela coerência de vida de que fomos testemunhas; pela sua autoridade moral, reconhecida de forma universal; pela Esperança que nunca permitiu ser esquecida ou negada perante as crises, as maledicências, as guerras que assolam o mundo.
«Rezem por mim», pediu-nos o Papa Francisco na inesquecível Jornada Mundial da Juventude Lisboa2023. A um país inteiro juntaram-se jovens de todo o mundo e pudemos viver uma semana única de comunhão e graça. Por causa da preparação e realização da Jornada, fui inúmeras vezes a Roma e estive a sós com o Papa Francisco em muitas delas, o que me trouxe a paz e a confiança que foram essenciais num tempo tão exigente. Já em Portugal, o Papa Francisco revelou-se um autêntico jovem, cheio de coragem, de alegria e de determinação. A expressão «todos, todos, todos» tornou-se uma referência e abriu as portas às mais distintas realidades da vida atual, expressando assim e de forma inabalável a convicção de que, na Igreja, há lugar para todos sem exceção.
Pessoalmente, sinto-me órfão, como se devem sentir tantos irmãos no sacerdócio, tantos leigos e leigas que dedicam as suas vidas à vida da Igreja. Mas também sinto a enorme responsabilidade que resulta do privilégio de ter conhecido tão de perto o Papa Francisco.
Tal como aconteceu com muitas e muitas pessoas, senti a alegria e a ternura do abraço do Papa. Este abraço assegurava que não estava sozinho, que não estamos sozinhos. E agora que já não o poderemos abraçar de novo, nem escutar as suas palavras claras, sempre oportunas, muitas vezes cheias de humor, continuemos a rezar pelo Papa Francisco.
Pertencemos à geração dos que tiveram o privilégio de conhecer um verdadeiro discípulo de Jesus, um homem que passou pela Terra fazendo o bem.
Que este exemplo de vida nos ajude a viver de um modo novo, ao jeito Pascal, capazes de em tudo fazer o bem e em tudo providenciar a Paz.
Fazei que sejamos capazes de dar continuidade aos sonhos de Francisco, todos eles centrados na pessoa de Jesus, que veio ao mundo para nos salvar.
Assim seja,”
+ Cardeal Américo, Bispo de Setúbal