"Eu era muito viva, gostava de estar com amigos, de festa... e a depressão roubou-me isso, fez-me ficar presa, querer morrer." O testemunho de Keise é como um murro no estômago daqueles que ainda acreditam que a depressão é coisa de quem tem demasiado tempo disponível — sim, ainda há quem não encare a doença mental como uma realidade tanto ou mais lesiva do que uma doença que afete o corpo e cujas consequências são visíveis a olho nu.

Quando foi mãe e depois de ter trocado o Brasil por Portugal, Keise piorou como nunca. "Havia dias em que ficava na cama, tive quatro episódios de tentativa de suicídio, tinha crises de ansiedade, não falava com ninguém", conta, recordando como a doença mental começou a repercutir-se no corpo (anemia, sangramentos, dor crónica...). A procura por uma saída aparentemente cada vez mais improvável, levou-a, por conselho da sua psicoterapeuta, à The Clinic of Change, numa altura em que "já nem conseguia falar" e ali garante ter vivido um "milagre".

Num país em que três em cada dez pessoas já foram diagnosticadas com depressão (33,6%), uma situação ainda mais comum entre adolescentes, sobretudo desde a pandemia, com o número de crianças e jovens a apresentar sintomas de depressão a chegar aos 45% em 2023, de acordo com o programa de promoção de saúde mental e prevenção de comportamentos suicidários Mais Contigo, o relato de Keise, feito na primeira pessoa, pode ser uma notável ajuda para quem se sente sozinho nesse beco sem saída. Pela partilha do testemunho, mas sobretudo porque se trata de uma história com um final feliz. Um desfecho que é comum à história de Carolina.

"Obcecada com a alimentação saudável" desde os 11 anos e com graves problemas de sono, recorda-se de evitar refeições em público, de começar a "restringir muito a alimentação e a emagrecer muito". "O controlo da alimentação e as notas da escola passaram a ser o centro da minha vida", conta, relatando como a psicoterapia e a psiquiatria a que foi aderindo, por si só, pouco puderam contra uma anorexia feroz, marcada por ansiedade e hipervigilância constantes. "Vivia centrada em controlar tudo e isso só me fazia sentir miserável", recorda Carolina.

A anorexia, que afeta na sua esmagadora maioria mulheres (95% dos casos, com 4500 hospitalizações confirmadas, muitas delas repetidas vezes, e 25 mortes em Portugal entre 2000 e 2014), não acabou da pior forma "por sorte", assume Carolina, reconhecendo que "por várias vezes" esteve perto da morte. Depois é veemente: "Com este tratamento, passei a sentir" aquilo que racionalmente sabia ser verdade. "A aprendizagem foi emocional, foi experiencial, foi visceral, e não apenas cognitiva." Foi o que fez a diferença.

O que há em comum no salto de Keise e de Carolina? O tratamento recorrendo a psicoterapia assistida por psicadélicos, que tem ganho força na ambição de tratar, em vez de gerir, a doença mental. Em Portugal, a The Clinic of Change é a primeira clínica especializada neste tipo de tratamento recorrendo a quetamina, licenciada pela ERS e pelo Infarmed. Parceira de estreia da britânica Awakn (especializada em medicina psicadélica com protocolos de investigação científica nesta área com instituições tão prestigiadas como o Imperial College de Londres, a Universidade de Exeter e o próprio serviço nacional de saúde britânico) na União Europeia, abriu portas há um ano em Lisboa para mudar o panorama de um país que é, entre os do espaço europeu, o que regista maior incidência de casos de ansiedade, estando no top três da depressão.

O que faz a diferença na proposta de resposta aqui oferecida é que o tratamento é feito com recurso a um psicotrópico, a quetamina, utilizada já há alguns anos na unidade de Depressão Resistente do Hospital Júlio de Matos, onde a psicóloga clínica Carla Mariz também trabalha. A substância, explica permite "ir à raiz do que provoca as alterações mentais, encontrar a ponta do novelo e desenleá-lo" para trabalhar o problema, mais do que os seus sintomas, e dar ao doente mental ou adicto a capacidade de o ultrapassar criando novos caminhos.

Clinic of Change

"Foi o hospital em que eu estava a ser acompanhada que me deu autorização para procurar a The Clinic of Change; e eu não tinha nada a perder, o meu único medo era que nem isto me curasse", relata Carolina, antes de revelar como o tratamento fez a diferença. "Depois de sentirmos o que sentimos na sessão (com quetamina), os pensamentos podem surgir todos novamente, mas temos aquela experiência na memória, sabemos que a realidade é criada por nós e então aprendemos uma nova forma de estar que já dificilmente desaprendemos", explica a hoje psicóloga, a trabalhar numa clínica, que conseguiu ligar a sua condição aos maus tratos sofridos na infância, que geraram traumas com que nunca antes pudera lidar.

"Uma pessoa que sofreu traumas ou perdas acaba por criar barreiras para se defender do sofrimento em situações semelhantes" — o cérebro lança-lhe um aviso para a proteger de um sofrimento que pode ter sido insuportável. Isso é comum. A doença mental acontece, explica Carla Mariz, quando estas defesas tomam conta da mente e condicionam toda a vida da pessoa, consumindo-lhe todas as energias — alguém que não sai de casa, que não se envolve amorosamente, que não se liga, que não consegue lidar com a agressividade ou ultrapassar uma adição. O que este tratamento faz é quebrar esse estado de forma efetiva.

Parece que está a descrever, palavra por palavra, o que viveu Keise. "Eu estava no limite, não saía do quarto há dias, não falava com ninguém, e com o tratamento viajei a episódios da infância de que nem me lembrava, mas que haviam deixado marcas profundas." Foi a chave para desbloquear a recuperação. "A cada sessão eu sentia que estava melhor." Começou a querer sair, passear, comer fora, voltou a rir. "Impossível acreditar", recorda, explicando que "aquela sensação de voltar a querer fazer coisas, a viver" chegou com a força de uma onda. "Eu fiquei curada", repete, sem inflexões de hesitação e sabendo que "as pessoas não acreditam ser possível curar a depressão". "Mas eu fiquei realmente curada", repete, assumindo a dificuldade em explicar como voltou a querer fazer coisas, alegre, a rir e a brincar. "Eu voltei a ser eu."

"A quetamina funciona como uma espécie de facilitador para ir buscar coisas que já estão completamente enterradas e acelera os processos psicoterapêuticos por vezes em anos", explica a psicóloga clínica especializada em Psicoterapia e Neuropsicologia, adiantando que a sustância tem uma neurotoxicidade próxima de zero e "não provoca habituação nas doses aqui propostas". O que faz então? Em doses muito reduzidas, tem propriedades psicadélicas que "permitem que atue sobre o sistema nervoso central, provocando um estado de consciência aumentada", descreve Carla Mariz. Isso permite "uma alteração na conectividade entre algumas zonas do cérebro e assim facilitando a emergência de memórias, de ligações ou de associações que antes não estavam disponíveis", desbloqueando  casos traumáticos que podem estar na origem da doença mental, permitindo que seja a própria pessoa, acompanhada, antes, durante e depois, por um clínico, a estabelecer as relações sobre o que aconteceu, o que viu e a chegar às suas conclusões.

"Eu acreditava que ia ficar assim só por um período", conta Keise, para logo explicar que não, que aprendeu  lidar com os sentimentos, a controlar a forma de lidar com os problemas sem os abafar ou ficar presa a eles. "Foi a melhor experiência que tive na vida e é um tratamento muito simples, nada invasivo, que nos faz voltar a viver. É como se eu tivesse nascido de novo, com as emoções mais nítidas e ainda mais forte."

Quetamina Clinic of Change

"Depois de sentirmos o que sentimos na sessão, os pensamentos podem surgir todos novamente, mas temos aquela experiência na memória, dentro de nós, de que a realidade é criada por nós. A partir daí, uma vez que sabemos, aprendemos uma nova forma de estar e ser, que já dificilmente desaprendemos", concorda Carolina. "Isso faz-nos perceber que podemos escolher sempre relembrar a experiência quando sentimos que estamos a voltar a antigos padrões e recuperar usando o que aprendemos."

Carla Mariz recorda que isto não quer dizer que a pessoa não vai voltar a precisar de ser seguida pelo seu psicoterapeuta, mas não estará de todo na mesma condição. "É como passar dos analgésicos a antibióticos", resume a especialista da The Clinic of Change.

Veja aqui o testemunho de Keise