Na fronteira entre a esperança clínica e a inovação tecnológica, a cirurgia robótica está a assumir um papel determinante no combate ao cancro do pulmão — a forma de cancro mais letal do planeta. Em 2024, os hospitais da Península Ibérica realizaram cerca de 1 730 cirurgias a este tipo de tumor com recurso ao sistema robótico da Vinci, um aumento de mais de 25% face às 1 382 intervenções registadas no ano anterior.

A tendência crescente reflete não apenas a adesão progressiva das unidades hospitalares a esta tecnologia, mas também a mudança profunda no paradigma do tratamento oncológico torácico. A robótica está a conquistar um espaço cada vez mais sólido entre os cirurgiões e os doentes — sobretudo porque oferece aquilo que, até agora, só se podia desejar: uma combinação rara entre precisão milimétrica e intervenção minimamente invasiva.

“É crucial dissecar o tumor de forma o mais completa possível. Isso faz a diferença na sobrevivência dos doentes”, afirma Fernando Martelo, Diretor do Serviço de Cirurgia Torácica do Hospital da Luz, em Lisboa, uma das unidades de referência nesta área. “Os instrumentos robóticos permitem manobras com altíssima precisão em espaços anatómicos reduzidos. E isso traduz-se numa maior segurança cirúrgica, mais destreza e melhor preservação do tecido pulmonar.”

O impacto é particularmente significativo em doentes em estádios precoces, onde a abordagem cirúrgica pode representar a diferença entre uma vida interrompida e uma vida reconstruída. Segundo o médico, a unidade que lidera já realizou, até junho de 2025, um total de 224 cirurgias torácicas robóticas, das quais cerca de 83% foram relativas a casos de cancro do pulmão.

Os resultados falam por si: uma taxa de sobrevivência de 96,2% ao primeiro ano, 92,4% ao terceiro e 87,2% ao quinto. Estatísticas que contrastam com a dura realidade global.

Segundo o Global Cancer Observatory da Agência Internacional para a Investigação do Cancro (IARC), o cancro do pulmão foi responsável por 1,8 milhões de mortes em 2022 — e as projeções para 2050 apontam para quase o dobro de novos casos, ultrapassando os 4,6 milhões. Em Portugal, os dados mais recentes indicam que, só em 2023, morreram cerca de 4 490 pessoas com esta doença — o número mais elevado das últimas duas décadas.

A radiografia do cancro do pulmão está a mudar. E com ela, os rostos dos seus doentes. Embora o tabagismo continue a ser o principal fator de risco, cerca de um em cada quatro casos ocorre em não fumadores. A exposição prolongada à poluição atmosférica, sobretudo a partículas finas, tem vindo a ser associada a mutações genéticas que afetam cada vez mais mulheres e pessoas mais jovens.

“Temos vindo a observar uma incidência crescente da doença em adultos mais novos, alguns com duas ou três neoplasias primárias ao longo da vida”, nota Fernando Martelo. “Por ser uma técnica minimamente invasiva, a cirurgia robótica permite efetuar segmentectomias sequenciais, sem comprometer a qualidade de vida dos pacientes.”

Com as máquinas a dar mais delicadeza às mãos dos cirurgiões, o próximo passo será chegar mais cedo. O especialista defende, como muitos dos seus pares, a criação urgente de um programa nacional de rastreio do cancro do pulmão. Detetar o tumor antes de causar sintomas poderá abrir ainda mais portas à cirurgia robótica, maximizando as suas vantagens.

“A maioria dos nossos doentes operados encontrava-se no estadio I. São estes os candidatos ideais à cirurgia robótica. Se diagnosticarmos mais casos precoces, poderemos reduzir significativamente a mortalidade por cancro do pulmão”, afirma.

A tecnologia tem sido tantas vezes questionada, aqui está uma resposta que vem do corpo humano, mas também da máquina. Uma aliança improvável entre o engenho humano e a engenharia de precisão, com um objetivo simples: salvar vidas, uma incisão de cada vez.