Os portugueses perdoam. São os campeões das segundas (e terceiras e quartas) oportunidades, não há dúvida. Não falo de políticos que voltam a vencer eleições após serem envolvidos em casos de justiça ou mesmo depois de condenados e com pena cumprida. Ou dos muitos que pregam como Frei Tomás mas deixam as suas convicções para os outros cumprirem, optando eles pelas soluções que rejeitam no sistema, sejam serviços de saúde ou educação ou até estufas de frutos vermelhos ou casas de férias para render.

Nem falo da alegria aparentemente generalizada ao ver António Costa um passo mais perto do Conselho Europeu, depois de ter corrido para a porta de saída do seu governo de maioria absoluta ao ser mencionado pela PGR num caso de alegadas influências, após o Presidente Marcelo o ter avisado quanto à consequência de abandonar o mandato a meio para cumprir o sonho europeu há muito conhecido.

Já se sabe que este povo gosta de ter portugueses sentados nas cadeiras mais altas, sejam futebolistas ou protagonistas políticos, desde que não tenham alcançado a fama por construírem valor ou riqueza como o banqueiro António Horta Osório (feito cavaleiro pela rainha de Inglaterra) ou a empreendedora Daniela Braga (fundadora da Defined.ai e conselheira do presidente americano para a Inteligência Artificial), entre muitos valorosos exemplos. E o ex-primeiro-ministro que assumiu um lugar de cicerone da inovação nacional nos episódios do Otimista, no novo canal Now, terá talento para se safar com o que lhe puserem no prato.

Nem sequer falo de Pedro Nuno Santos, o homem que anunciou um aeroporto que desapareceu em 12 horas, com um ralhete do chefe, que propagandeou os planos para a Habitação e a Ferrovia que nunca aconteceram, que se reclamou dono do sucesso da TAP (que sem cortes salariais nem injeções extraordinárias de milhares de milhões de euros dos contribuintes, voltou ao prejuízo) e não se recordava de ter endossado a indemnização de Alexandra Reis na TAP ou de governar por SMS; e que foi recompensado com a eleição para secretário-geral do PS.

Nem mesmo me refiro ao homem que se advogou créditos de pôr as contas públicas em ordem — à boleia dos lucros excessivos garantidos pela escalada da inflação —, mas as deixou armadilhadas com aumentos eleitoralistas de pensões, faturas adiadas e serviços públicos inoperacionais e agora promete explicar-nos pela televisão as contas dos outros, numa "opinião informada, refletida e sempre livre".

Pensando bem, se somos assim com quem exerce cargos políticos com os resultados da amostra, não deveria espantar-me que aceitemos com ainda mais bonomia os comentadores dos factos. Como Eduardo Cabrita, reabilitado e promovido ao estatuto de comentador isento. Se até foi desviado há mais tempo do que qualquer um dos acima lembrados, porque não havia de opinar com lisura os temas da atualidade, como se nada tivesse tido que ver com o atual estado das coisas? E a verdade é que o faz qualquer que seja o assunto, a defender a sua dama de rosa.

Desta vez, o governante que, para salvar a pele, destruiu o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras conseguiu até comentar a ineficiência da Agência que ele próprio criou em substituição. Mesmo sabendo ter feito em pedaços um serviço apontado como exemplo a nível europeu e tentado logo a seguir ir liderar a agência congénere europeia. É de coragem permitir-se opinar sobre migrações e controlo de fronteiras depois de deixar o SEF em cacos, sem substituto à altura e sabendo que nem sequer passou na pré-seleção para dirigir a Frontex.

O homem que foi ministro de Costa entre 2015 e 2021 — e que não só implodiu o SEF como comprou por ajuste direto as golas antifumo que ardiam e que asfixiavam os bombeiros que as usassem e foi dos principais protagonistas do familygate (a mulher, Ana Paula Vitorino, foi ministra durante quatro anos ao mesmo tempo que Cabrita), entre muitos episódios tristes que marcaram o seu percurso de governante — comenta tudo o que lhe pedirem, sem sequer corar da vergonha que devia sentir. E ainda garante que a culpa é dos que lá chegaram agora e o precederam nove anos antes.

Mas ninguém se sobressalta. Não há dúvidas que Portugal é o campeão da reabilitação.

Diretora editorial