Turcos e portugueses têm algo em comum: qualquer decisão ou obra grandiosa e cara que se faça com o dinheiro público é prontamente justificada ou referenciada com a glória histórica dos seus respetivos impérios passados. À falta de melhor, ambos os países procuram uma projeção global através de um poder ilusório na aviação comercial. Esta manipulação emocional utilizada pelos políticos não retira estes países de alguns dos lugares mais vergonhosos da tabela da OCDE em indicadores cruciais, esses sim verdadeiramente determinantes para o desenvolvimento e bem-estar dos cidadãos.
Reconhecendo o sucesso desta receita e a falta de um escrutínio individual, institucional e da própria sociedade civil, são várias as pessoas que replicam esta estratégia em vários setores. As declarações desta semana do atual CEO da TAP ao Financial Times, exaltando a importância de garantir a permanência do Estado no capital da TAP num cenário pós-privatização, terão sido certamente inspiradas no modelo turco de desenvolvimento da aviação comercial. A Turquia, liderada por Erdogan há mais de duas décadas, construiu um dos maiores aeroportos do mundo num tempo recorde, desafiando todos os limites financeiros de um Estado com uma inflação galopante e muito acima da média há décadas e com uma moeda altamente desvalorizada: foram gastos 11 mil milhões de euros no novo “Istanbul Grand Airport” para conectar esta cidade com o mundo, uma vez que o aeroporto anterior estava “esgotado”.
Apesar de todo este investimento nesta infraestrutura, a TAP continua a não voa para lá. Nem a TAP, nem nenhuma companhia aérea americana – nem sequer mesmo a maior do mundo. Na realidade, este aeroporto sobredimensionado exige uma Turkish Airlines estatal gigante com uma média de 530 partidas por dia e com mais de 100 mil lugares à disposição. Esta proporção contrasta com os cerca de 130 voos diários de todas as outras companhias aéreas, representando menos de 30 mil lugares – aproximadamente os mesmos que existiam no outro aeroporto “esgotado”.
No fundo, este novo aeroporto apenas se justificou devido à pressão exercida pelo modelo de negócio tipo hub escolhido para a Turkish Airlines estatal. De facto, esse foi outro dos grandes investimentos públicos da Turquia nos últimos anos: a companhia pública passou de 60 aviões em 2000, para os mais de 350 de agora.
Para qualquer CEO, esta irresponsabilidade de poder contar com investimento público ilimitado e fazer disso um “milagre” de crescimento sem estar sujeito às restrições da União Europeia sobre concorrência desleal, sobre as prioridades da política pública ou sobre uma simples prestação de contas em conferência de imprensa, é um verdadeiro sonho.
O reverso da medalha desta estratégia política megalómana é totalmente desconhecido de quem apenas utiliza este grandioso aeroporto para trocar de avião e de quem se deixa facilmente fascinar pelo bling-bling dos dourados, formulando o desejo que Lisboa tivesse um igual.
Mas e se esses passageiros em trânsito se interessassem por alguns indicadores-chave quantitativos e qualitativos relativamente à saúde, à educação e outros aspetos importantes do funcionamento de um país, o que iriam encontrar? Uma leitura rápida da evolução nos últimos anos revela bem onde é que a Turquia tem cortado (ou onde não tem investido) para realizar tamanhos investimentos massivos em infraestrutura, que impressionam no curto prazo, mas que em nada contribuem para abordar e alterar as lacunas significativas do país em todas as restantes áreas que afetam diretamente a vida da sua população, garantindo-lhe um desenvolvimento mais equilibrado e sustentável a longo prazo.
Em vésperas de eleições europeias, é importante “aterrarmos” na realidade. Somos um país pobre. Com turismo, sol e boa comida, mas pobre. E nessa pobreza ainda não conseguimos priorizar o investimento naquilo que, um dia, nos poderá voltar a dar riqueza. Uma coisa é certa: a avaliar pela Turquia, não será a investir em aeroportos ou em companhias aéreas que lá chegaremos.
Docente em Sistemas de Transporte e consultor em aviação, aeroportos e turismo