Chegou aquele dia do ano em que primeiro-ministro, governador do Banco de Portugal, ministro da Economia, alguns secretários de Estado, ex-ministros e tantos outros ilustres se reúnem na grande Cimeira do Turismo Português, promovida pela Confederação do Turismo de Portugal por ocasião do dia internacional do turismo. Ali farão a habitual ode ao setor e ao seu impacto na economia nacional com um entusiasmo estudado, incestuoso e em uníssono: “Turismo é Valor” é o tema da cimeira.
Muitos dos intervenientes já se desdobraram em intervenções mediáticas ao longo desta semana, ora afirmando que a massificação do turismo não é o verdadeiro problema ora dizendo que não existe turismo a mais mas sim economia a menos, o que, na prática, coloca os protestos sobre o excesso de turismo (“overtourism”) como um simples movimento rebelde de cidadãos insatisfeitos. Porém, a dura realidade que fica nas sombras dos discursos autorizados neste tipo de “cimeira” é que o turismo é a segunda indústria que mais mal remunera (dados do próprio Banco de Portugal) e apresenta uma precariedade superior à média nacional.
Acresce ainda que, quando mal gerido pelo poder público, representa um modelo de crescimento urbanístico e socioeconómico totalmente insustentável.
Enquanto em Portugal se opta por um programa oficial que nos transforma cada vez mais na condição de “praia da Europa”, sem questionar seriamente os desafios emergentes, noutras latitudes o cenário é bem distinto. Só nesta semana, a Noruega, um país com paisagens naturais únicas, viu a sua principal agência estatal de promoção turística, a Innovation Norway, dar um passo atrás num ambicioso plano de promoção do friluftslivet – um estilo de vida ao ar livre que é parte integrante da própria identidade cultural norueguesa. A campanha, que visava promover as atividades na natureza entre turistas internacionais, foi suspensa.
O temor é claro e emana do próprio decisor público, incluindo os diretores do turismo das várias regiões: a Noruega, um país (ainda) pouco visitado, observa os efeitos do overtourism noutras paisagens semelhantes e pretende prevenir que esse cenário chegue ao seu território, causando danos irreparáveis às paisagens vulneráveis e àquilo que é justamente o seu ponto forte: a sua natureza. A Noruega não quer autocaravanas estacionadas indevidamente, nem lixo deixado nos fiordes, nem operações de resgate para turistas mal preparados que se perdem nos trilhos, tudo aquilo que tão bem conhecemos da nossa Costa Vicentina, da Madeira e dos Açores. A Noruega preferiu recuar e repensar a sua abordagem antes que o turismo massificado comprometa a preservação daquilo que melhor a promove.
Na Alemanha, um dos maiores mercados emissores de turistas do mundo, o debate é feito ao contrário: a Associação Alemã de Viagens (DRV) e a Associação Federal da Indústria Turística Alemã (BTW) lançaram esta semana um novo órgão de observação e de debate sobre a saturação turística, numa tentativa de compreender e mitigar os efeitos desta crise crescente também do lado do mercado emissor de turistas e não apenas do lado dos países que os recebem.
Operadores turísticos, companhias aéreas, plataformas de alojamento e representantes da Espanha e da Grécia – mas sem contar com Portugal – procuram soluções que permitam a toda a industria turística, no seu conjunto, evitar e corrigir a massificação dos destinos. O objetivo é claro: assegurar que o turismo seja uma força sustentável e não uma ameaça para a qualidade de vida das pessoas nos locais turísticos. A criação deste observatório demonstra a seriedade com que os principais atores da indústria de um dos maiores emissores para Portugal estão a abordar este problema.
Destinos que falhem em adaptar-se a esta nova realidade poderão, eventualmente, ser excluídos das preferências dos turistas mais conscientes e exigentes. Aqueles que se adaptarem, por outro lado, poderão posicionar-se como destinos premium, oferecendo uma experiência mais controlada, responsável... e mais rentável.
Em contraste, o programa da Cimeira do Turismo Português continua a insistir numa visão unilateral e parcial da indústria sem ponderar com a devida profundidade os desafios reais que o turismo enfrenta.
O debate sobre overtourism é global e o país arrisca-se a ficar para trás se não estiver disposto a enfrentar essas questões de forma crítica e com uma visão de longo prazo. O turismo, justamente por ser um motor económico do nosso país, não pode ser abordado de forma simplista e descomplicada. O futuro do setor depende da nossa capacidade de equilibrar o crescimento com a sustentabilidade, de tal forma que as nossas paisagens, cultura e qualidade de vida não sejam vítimas do sucesso que procuramos atrair. Cada vez mais países entendem que a sustentabilidade não é apenas um slogan ou publicidade enganosa, mas uma adaptação necessária e urgente.
Em Portugal, continuamos no habitual Estado de Negação. Ignoramos os sinais de alerta de uma indústria que, gerida desta forma, gera riqueza para muito poucos e destrói o tecido social, económico e ambiental de muitos. Pegando nas palavras de Bente Lier, o secretário-geral da Norsk Friluftsliv: “Não é possível convidar 30 pessoas para jantar quando temos mesa para apenas quatro.” No grandiosos Palácio de Mafra, lugar da Cimeira do Turismo Português cujo tema principal é “Turismo é Valor”, o que não faltará são mesas, espaço... e bobos da corte.
Docente em Sistemas de Transporte e consultor em aviação, aeroportos e turismo