No outro dia, sonhei que ia a um jogo de futebol. Era o primeiro da época. Entre amigos, a convocatória estava feita e o nosso “estágio” começava cedo. Saí de casa com os miúdos. Estava um lindo dia de sol em pleno agosto, e lembro-me do cheiro agradável das flores e das árvores pelas ruas da cidade.

Íamos todos equipados a rigor com camisolas, cachecóis e um sorriso estampado na cara. À medida que caminhávamos em direção ao estádio, mais gente se juntava. Mas havia algo de diferente: não eram só pessoas da minha equipa, havia também muitas da equipa adversária. O mais curioso? Estavam todos misturados. Cumprimentavam-se, matavam saudades, desejavam boa sorte. Quem tinha vencido o campeonato no ano anterior queria repetir a dose. Quem não, transbordava esperança: “é este ano!”, diziam. E ninguém parecia fugir disso.

Ao chegarmos às roulotes, mais precisamente ao Megabar, começaram a aparecer outros amigos, também com os filhos. Logo começou a clássica discussão: “Quem traz as cervejas?” Escolhido o primeiro voluntário, os mais novos ajudavam porque o grupo era grande e as mãos nunca chegam. Entre brindes, cantorias alternadas e muita animação, sentia-se no ar que o jogo estava próximo. Os mais ansiosos sugerem seguir para evitar filas. Todos alinham.

Desta vez, não há verdadeiros exércitos de polícias armados até aos dentes, de olhar pesado como quem teme o pior. Só alguns agentes, descontraídos, simpáticos. Os miúdos mais curiosos aproximam-se e perguntam se podem tocar nas algemas. Os ainda mais corajosos ganham fôlego e perguntam se alguma vez tiveram de disparar contra um “mau”. Despedimo-nos e seguimos para a entrada.

Os seguranças, sorridentes e disponíveis, dão high five aos miúdos e desejam bom jogo a todos. Nada de revistas exageradas, apalpões desnecessários ou desconfiança constante. As crianças entram com bandeiras e mochilas com lanche — sem que ninguém imagine que aquilo possa ser usado para fazer mal.

Nos nossos lugares, a surpresa continua: não há gaiolas, nem claques separadas. Todos juntos. Famílias inteiras, mesmo vestindo cores diferentes, sentam-se lado a lado. Fez-me lembrar os jogos de rugby.

As equipas entram em campo. Cantam-se os cânticos com respeito. E dá-se o apito inicial.

O público vibra. Ri, sofre, assobia... mas de forma saudável. Não há cânticos de ódio, nem provocações maldosas. O mais estranho? A mãe do árbitro não é a figura mais ofendida do estádio! Ouvi apenas um senhor, umas filas acima, gritar-lhe “urso!” com alguma frustração mas logo se apercebeu e, meio envergonhado, pediu desculpa aos vizinhos.

No intervalo, conversa-se com quem está por perto. Recomeça o jogo. O ambiente é de festa. Ao meu lado, vejo pai e mãe com os filhos — cada criança apoia o clube de um dos pais, e ninguém parece incomodado com isso. Há golos de ambos os lados. Vive-se a euforia, a frustração, a alegria. Tudo isso faz parte. O jogo termina. Palmas para os jogadores, para os treinadores, para todos. Organizam-se boleias, e regressamos a casa.

Confesso que não me lembro de quem ganhou. Mas lembro-me bem de tudo o que se viveu ali. O verdadeiro espírito do futebol.

Acordei feliz. Mas rapidamente percebi que, infelizmente, nada daquilo era real.

Ainda assim e porque sou uma pessoa de esperança, acredito que um dia possamos viver tudo aquilo, como verdadeiramente deveria ser.

Será que um dia seremos capazes?

Gestor