Num referendo recente os moradores de Paris votaram, nuns esmagadores 89%, por forma a proibir as trotinetes partilhadas das ruas da capital francesa. A cidade já tinha regras bastante restritivas que se aplicavam a esta forma de mobilidade leve e nas suas ruas (como constatei pessoalmente há alguns meses) já não se encontravam trotinetes partilhadas abandonadas nas ruas e nos passeios (como sucede em Lisboa).
A decisão popular será um obstáculo para tornar a cidade mais verde e reduzir as emissões de gases de efeito de estufa, mas talvez numa escala menor do que o esperado, já que existem estudos de opinião que indicam que a maioria dos utilizadores destes equipamentos antes de o fazer percorria as mesmas distâncias a pé ou de transportes públicos. Estudos idênticos continuam por fazer em Lisboa: apesar da sua importância.
Em Janeiro foi notícia — com grande destaque e efeito mediático — que a Câmara de Lisboa iria determinar locais de "estacionamento obrigatório" e um "limite de velocidade" de 20 Km/h (em Paris este é de 6 Km/h) para as empresas que operam trotinetes partilhadas em Lisboa. Este acordo, assinado em 9 de Janeiro entre a CML e os cinco operadores, determina também a existência de "um contingente máximo de veículos em circulação, que será de 1.500 por operador no inverno e que poderá ir até aos 1.750 na Primavera e no Verão".
O acordo dava aos operadores 60 dias para "adaptação", prazo que acabou em 10 de Março... Apesar disso, nada de significativo mudou em Lisboa: não são se encontram os "hotspot" (não havia palavras disponíveis na língua de Camões?!) e, assim o provam as trotinetes que continuam a aparecer em jardins, passeios e ruas de Lisboa, continua a ser possível "concluir a viagem e continuará a ser descontado pagamento através da aplicação" fora desses locais.
Algumas propostas
Embora fosse perfeitamente compreensível, salutar e importante permitir que nos meses iniciais de instalação dos novos operadores de mobilidade urbana de trotinetes partilhadas estas funcionassem dentro de altos níveis de tolerância em relação ao cumprimento das regras de trânsito, agora, em 2022 e, sobretudo, depois do acordo de Janeiro e da expiração do prazo de "adaptação", isso já não é — de todo — admissível.
Apesar disso, continuamos a ver trotinetes evoluindo a alta velocidade sob o passeio público, muitas vezes com dois e até três utilizadores, ameaçando a segurança de peões, muitos dos quais idosos (Lisboa é uma cidade muito envelhecida) e crianças, provocando centenas de acidentes por ano (a maioria que nunca chega a ser reportada às autoridades) ou estacionadas sob o passeio, criando graves dificuldades aos cegos e a todos os cidadãos com dificuldades de mobilidade e, chegando-se até ao extremo, de ver grupos de trotinetes estacionadas frente às entradas de prédios de habitação num gesto de aparente desafio com a impunidade destes excessos.
Não resta qualquer dúvida de que a maioria destas situações são infracções à legislação em vigor e que, em Lisboa, a Polícia Municipal tem meios e competências para agir.
Importa fiscalizar para fazer cumprir a legislação, o acordo de Janeiro e para garantir a segurança dos cidadãos. E importa igualmente levar os operadores de trotinetes a usarem a tecnologia que já existe nos seus equipamentos para garantirem o cumprimento da lei: cada trotinete tem um GPS ligado à rede móvel. Os operadores sabem assim onde se encontra cada um dos seus equipamentos com uma precisão de cinco metros ou, daqui a algum tempo nas novas trotinetes, de um metro. Isto significa que é possível saber se uma trotinete está parada em cima de um passeio, à porta de um prédio ou se transita em passeio público.
Nem sempre é sempre possível, pois em cinco metros pode haver estrada e passeio; mas é possível identificar muitas das várias anomalias de uso de trotinetes em Lisboa. Assim o queiram os operadores e assim a CML os queira obrigar a fazer. Os operadores poderiam também instalar (em parceira e após obtida autorização por parte da CML) docas em Lisboa oferecendo descontos aos utilizadores que as colocarem nesses locais, podendo ser essas docas físicas ou virtuais (através do uso do circuito de GPS). Se os operadores encontrarem utilizadores que de forma reiterada abusam das regras e dos termos de uso podem transferir para eles as multas que lhes são aplicadas, penalizando-os (através do envio de dados às autoridades) ou suspendendo o acesso ao sistema.
Fiscalizar por um lado, cumprir o acordo de Janeiro e a alterar o uso do sistema utilizando a tecnologia e responsabilizando os utilizadores são a via tripla através da qual se pode terminar com o troticaos em Lisboa e conter a impopularidade crescente deste meio de mobilidade leve junto da generalidade da população para que, um dia, não seja feito um referendo em Lisboa que resulte também na infeliz proibição de uso de uma forma de mobilidade que ajuda o clima e a cidade a cumprir as suas metas ambientais.
Rui Martins | Eleito local em Lisboa pelo PS à Assembleia de Freguesia do Areeiro (Lisboa), dirigente associativo e fundador da Iniciativa CpC: Cidadãos pela Cibersegurança
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.