Vivemos num tempo em que a confiança no Estado de Direito, um dos pilares da democracia, está cada vez mais fragilizada. A cada incidente, a cada falha, parece que nos afastamos mais daquilo que deveríamos ser e exigir de uma nação que se afirma como um Estado de Direito.
A verdade é que a segurança, em todos os seus níveis, tem sido posta à prova e os resultados são alarmantes. Há poucos anos, o incidente de Tancos, no qual a segurança militar foi abalada pelo roubo de material do exército, expôs de forma crua a fragilidade e vulnerabilidade da nossa defesa. A segurança diplomática também foi quebrada de forma vergonhosa quando partilhámos dados de cidadãos russos (e portugueses) anti-Putin com a própria Rússia através da sua embaixada em Lisboa, uma nação cujo regime levanta, no mínimo, sérias preocupações em termos de direitos humanos e liberdades civis. Este erro diplomático não é apenas um descuido; é uma traição que encarámos de forma leviana ao dever de proteger os cidadãos.
Como podemos confiar no Estado para defender os nossos interesses no palco internacional quando este falha nos princípios básicos da proteção de dados e da segurança dos seus próprios cidadãos? Ou quando não consegue sequer documentar os cidadãos estrangeiros que vivem no país?
A falência da segurança deste Estado não se limita às áreas militar e diplomática. Até a segurança dos edifícios governamentais está comprometida, como se viu no recente caso do assalto à Secretaria de Estado da Administração Interna, ironicamente do ministério que tutela as Polícias. Como podemos esperar que as instituições funcionem quando o próprio edifício onde essas decisões são tomadas não está seguro?
No campo da segurança jurídica, o quadro não é melhor. Os tribunais, especialmente no que diz respeito aos processos administrativos contra o Estado, tornaram-se um labirinto sem saída e quando o Estado é finalmente condenado, o caminho para a execução das sentenças é outra “via dolorosa”. O cidadão comum vê-se impotente perante um "Estado-todo-poderoso", que se protege em burocracias intermináveis e num sistema jurídico que mais parece criado para evitar a justiça do que para promovê-la. O desespero de quem enfrenta processos administrativos contra o Estado é apenas um reflexo de uma realidade mais ampla: a justiça não é equitativa e o Estado protege-se a si mesmo à custa dos direitos do cidadão.
A recente fuga de cinco reclusos perigosos não é, portanto, um choque. Num país onde grávidas não sabem onde parir, onde milhares de alunos começam o ano letivo sem professores e onde o Estado parece mais preocupado em investir em turismo, aviões e aeroportos do que em questões fundamentais de saúde, educação e segurança, tudo parece encaixar-se num estado de falência generalizado.
Este é o retrato de um Estado que perdeu o foco. Os pilares básicos de uma sociedade funcional — segurança, saúde, educação, justiça e, já agora, ambiente — estão a ruir sob o peso de prioridades distorcidas. Se continuarmos neste caminho, talvez o melhor seja fazer o que sempre fizemos quando não sabíamos mais para onde ir: corremos para o mar....depois, mas só depois é que achámos melhor trocar uma história de Desespero por uma epopeia de Descobrimentos.
Docente em Sistemas de Transporte e consultor em aviação, aeroportos e turismo