
Sete associações de mães, pais e encarregados de educação de escolas em Lisboa divulgaram esta segunda-feira uma carta aberta de repúdio ao que consideram “declarações xenófobas e exposição indevida de menores” por deputados do Chega. O caso ocorreu nas redes sociais e na Assembleia da República no final da semana passada, quando Rita Matias e André Ventura divulgaram os nomes de alunos de uma turma de jardim de infância de uma escola pública.
No documento – endereçado ao Presidente da República, ao presidente da Assembleia da República, aos partidos com assento parlamentar e ao presidente da Câmara Municipal de Lisboa –, as associações entendem que a exposição destas crianças foi feita para “alimentar uma narrativa de ódio” que vai contra a Constituição, que prevê que, no seu artigo 26º, “a lei estabelecerá garantias efetivas contra a obtenção e utilização abusivas, ou contrárias à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias”.
A carta aberta é dividida em três pontos. No primeiro, os pais, mães e encarregados de educação repudiam veementemente as atitudes dos deputados do Chega. “Tal ato é de uma gravidade extrema, viola o direito à privacidade [das crianças] e coloca-as como alvo de ódio e discriminação num espaço onde deveriam estar protegidas: a escola pública”, escrevem. “A instrumentalização de crianças, especialmente num contexto político, é irresponsável e perigosa.”
A alegação destes políticos de que os imigrantes são favorecidos no processo de matrícula em instituições de ensino pública é desmentida. “O processo de colocação em jardins de infância públicos obedece a critérios legais claros, transparentes e públicos”, explicam, citando o Despacho Normativo nº 10-B/2021, que define a ordem de prioridade para alunos se inscreverem em instituições de ensino, sem qualquer menção à nacionalidade do estudante ou dos pais. Além disso, “qualquer encarregado de educação tem ao seu dispor mecanismos legais e administrativos para apresentar reclamações e pedidos de esclarecimento adicionais nas entidades”, afirma a carta.
Por fim, as associações reconhecem os problemas de oferta pública para o ensino pré-escolar em Lisboa, reiteram que “a solução não está, nem nunca poderá estar, na discriminação e exclusão de crianças”, mas sim no “investimento e aumento da oferta pública ou em parceria com a rede de IPSS [Instituições Particulares de Solidariedade Social]”. Antes de finalizarem o documento, ainda afirmam que “a diversidade nas nossas escolas reflete a riqueza e pluralidade das comunidades onde vivemos”, recusando “o medo, a divisão e o preconceito”.
O texto é assinado por organizações de pais, mães e encarregados de educação dos seguintes estabelecimentos de ensino: Agrupamento de Escolas Gil Vicente, Agrupamento de Escolas Patrício Prazeres, EB1 Arqº Victor Palla, EB1 Sampaio Garrido, EB1+JI Rainha Santa Isabel, Escola Mestre Arnaldo Louro de Almeida e Associação de Pais de São José.
Na semana passada, os deputados André Ventura (no Parlamento) e Rita Matias (nas redes sociais), do Chega, divulgaram os nomes de crianças, alegadamente imigrantes, que frequentam o jardim de infância numa escola pública de Lisboa. Os políticos defendem, sem provas, que jovens nascidos noutros países têm prioridade no acesso escolar em Portugal.
O caso foi alvo de várias críticas. Na última sexta-feira, após as declarações de Ventura, Isabel Mendes Lopes, líder parlamentar do Livre, emocionou-se e pediu à Mesa da Assembleia da República para “não deixar que sejam ditos nomes de crianças neste Parlamento”. Ventura recorreu às redes sociais para criticar a deputada e reiterar, novamente sem provas, a existência de uma suposta “transformação demográfica em curso”.
Texto escrito por João Sundfeld e editado por Hélder Gomes