Num movimento totalmente inesperado, António Costa envolveu-se diretamente na polémica em torno do autarca do PS de Loures que defendeu o despejo “sem dó nem piedade” de munícipes acusados de desacatos, retirando completamente o tapete ao seu sucessor na liderança do partido, Pedro Nuno Santos, na desvalorização que este fez do caso.

Subscrevendo com outros dois militantes do PS - José Leitão (Alto Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas de 1996 a 2002) e o ex-ministro Pedro Silva Pereira - um artigo no “Público” intitulado “Em defesa da honra do PS”, o antigo primeiro-ministro foi categórico: “Quando um dirigente socialista ofende gravemente os valores, a identidade e a cultura do PS, não há calculismo taticista que o possa desvalorizar.

Esta segunda-feira, numa visita aos bairros do Zambujal e da Cova da Moura (ambos na Amadora), Pedro Nuno Santos qualificou apenas como um “momento mau” aquele em que o presidente socialista da Câmara de Loures, Ricardo Leão, se associou a uma resolução proposta pelo Chega na autarquia (que seria aprovada) defendendo o despejo de moradores dos bairros sociais sempre que estes sejam condenados por distúrbios da ordem pública como os que atingiram nas últimas semanas vários bairros críticos dos arredores de Lisboa.

"Na vida todos temos bons momentos e todos temos maus momentos", desvalorizou Pedro Nuno Santos, considerando que a tomada de posição de Ricardo Leão não pode invalidar uma avaliação globalmente positiva do “trabalho muito importante” que o autarca tem conduzido em prol da população de Loures.

Embora dizendo também que o PS não podia nunca associar-se a moções do Chega, muito menos com o teor referido, o secretário-geral do PS deu sinal implícito, com o argumento do “momento mau”, de que as declarações de Ricardo Leão não devem levar ao seu afastamento da liderança da distrital de Lisboa do PS e muito menos à impossibilidade de ser novamente nas próximas autárquicas recandidato pelo partido.

Já muitos dirigentes do PS tinham censurado Leão, dizendo inclusivamente que tinha de deixar a liderança do partido em Lisboa, mas agora a polémica interna atinge uma nova dimensão revelando o primeiro choque frontal do anterior líder, António Costa, com o atual líder, Pedro Nuno Santos.

No artigo, Costa, Leitão e Silva Pereira consideraram que “é uma ideia que ofende os valores, a cultura e a identidade do PS” a de se “consagrar em regulamento municipal o despejo forçado dos arrendatários de habitações municipais condenados pela participação em distúrbios na via pública, em jeito de ‘sanções acessórias’ complementares das sanções criminais”.

Esse regulamento - acrescentaram -, “viola grosseiramente as competências reservadas da Assembleia da República e dos tribunais”, e atinge de forma "manifestamente desproporcionada o direito fundamental à habitação dos próprios e, por maioria de razão, dos inocentes que, integrando o respetivo agregado familiar, seriam colateralmente punidos apenas por residirem na mesma habitação”.

A identidade do PS foi construída ao longo da sua história de intensos combates políticos, desde sempre ancorados nos valores do humanismo, da liberdade, do Estado de Direito, da igualdade e da justiça social. Esse importante património de valores e, em especial, a tradição humanista marcam de forma particular o legado do PS nas políticas públicas de integração dos imigrantes, pelas quais os signatários foram responsáveis em diversas posições e diferentes momentos históricos”, escreveram ainda.

Depois, os signatários recordaram os vários passos que o PS foi dando ao longo da sua história em defesa da integração das minorias étnicas: “Convém lembrar que foi justamente na FAUL (Federação da Área Urbana de Lisboa, do PS), entre os anos de 1990 e 1992, que se começaram a desenhar as primeiras políticas públicas socialistas a favor da integração dos imigrantes, que vieram a inspirar importantes projetos de lei atributivos de direitos, elaborados com a participação ativa das associações de imigrantes. E foi com um Governo socialista que se criou, em 1996, o Alto-Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas – a primeira estrutura nacional para a condução de políticas públicas de integração, que, depois de múltiplas reestruturações orgânicas, veio a dar na atual Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA).”

Costa, Leitão e Silva Pereira vão mesmo ao ponto de sugerir que a desvalorização do caso viola a “orientação humanista” do PS que levou importantes dirigentes do partido, como António Guterres ou António Vitorino, a ocuparem cargos internacionais de grande importância na questão dos refugiados ou das migrações: “Idêntica orientação humanista foi perfilhada pelos governos socialistas na frente europeia e internacional, quer quanto à questão das migrações, quer quanto ao acolhimento dos refugiados, áreas em que diversos socialistas portugueses foram chamados a ocupar cargos de elevada responsabilidade à escala global.

Assim, “enfrentar o Chega exige firmeza nos princípios e combater as perceções fáceis com a realidade dos factos, o que tem de ser possível num dos países mais seguros do mundo, em que está comprovado que não existe nenhuma relação entre criminalidade e imigração e em que, pelo contrário, a contribuição da imigração para o crescimento económico e para a sustentabilidade do Estado Social é objetivamente reconhecida”.

Portanto, “quando um dirigente socialista ofende gravemente os valores, a identidade e a cultura do PS, não há calculismo taticista que o possa desvalorizar”. “É esse legado do Partido Socialista que sentimos agora o dever de recordar e defender. Em defesa da honra do PS!”, concluem.