Conselho de Estado esteve reunido durante mais de quatro horas. Antes, o Presidente tentou tirar pressão. No fim, houve um comunicado lacónico. Mas dentro da reunião aumentou a pressão para a aprovação do Orçamento do Estado
Irredutíveis, até ver. Sentados entre os senadores do regime durante quatro horas e meia, à volta da mesa do Conselho de Estado presidido pelo Presidente da República, os três homens de quem depende a viabilização do Orçamento para 2025 entraram como saíram: com as mesmas posições tornadas públicas ao longo da última semana, apurou o Expresso. Nem o primeiro-ministro Luís Montenegro revelou qual é a proposta “irrecusável” que vai apresentar ao PS esta quinta-feira; nem Pedro Nuno Santos saiu do discurso das linhas vermelhas do IRS Jovem e do IRC; nem André Ventura disse que o Chega daria a mão ao Governo se os sociais-democratas continuarem a negociar com os socialistas.
Antes da reunião, o Presidente da República tentou tirar pressão, dizendo que o encontro de hoje dos conselheiros não seria para discutir a negociação do Orçamento do Estado (OE). “Não tem diretamente nada a ver”, disse Marcelo Rebelo de Sousa, no Seixal, ao início da tarde, à margem da i nauguração do Espaço Memória - Centro de Arquivo, Documentação e Audiovisual da CGTP-IN.
Marcelo lembrou que tinha anunciado esta reunião ainda antes do verão e que a ideia é “analisar a situação económica política, mundial, europeia e portuguesa" para fazer uma “reflexão sobre a situação do mundo”. E no comunicado final, lá está a frase que nada mais diz: “O Conselho de Estado analisou a situação internacional e nacional.”
A análise, contudo, serviu para vários conselheiros fazerem apelos a entendimentos nacionais num cenário de cada vez maior instabilidade internacional. As intervenções foram-se sucedendo, com mais ou menos achegas internas. E, no fim da reunião, apesar do que tinha dito antes, o Presidente acabou a fazer um discurso de apelo ao entendimento, o que implica cedências de parte a parte, até porque fez questão de sublinhar o óbvio ululante há um par de dias, quando disse que o Governo da AD é “minoritário” e que o PS “não é Governo”.
Se há poucos dias o Presidente estava “fisgado” que o Orçamento do Estado, não terá saído do encontro com melhores perspetivas. Marcelo não quer ser o primeiro Chefe de Estado a dissolver o Parlamento três vezes, quando já tinha sido o primeiro a fazê-lo na sequência do chumbo inédito de um Orçamento, em 2021. Mas com os dados lançados esta terça-feira sobre a sua mesa não tem elementos para jurar que tudo vai correr como deseja.
Sem o ex-Presidente António Ramalho Eanes presente, a reunião começou pelas 17h10 e, pela duração que teve (o comunicado saiu já depois das 21h30), as intervenções foram longas num grupo de conselheiros maioritariamente de direita e em que Pedro Nuno Santos e Carlos César são os únicos nomes publicamente de esquerda.
Luís Montenegro não se desfez. À hora marcada para o início da reunião do Conselho de Estado, soube-se que estava marcada para a próxima quinta-feira ao fim da tarde o novo encontro entre o primeiro-ministro e o secretário-geral do PS. Frente aos conselheiros, Montenegro não antecipou a contraproposta que prometeu na sexta-feira, depois da reunião em que o líder do PS lhe entregou as suas exigências, e que deverá entregar a Pedro Nuno na quinta-feira.
Por seu lado, o secretário-geral do PS, segundo os relatos feitos ao Expresso, fez um discurso com um conteúdo semelhante ao da sua conferência de imprensa de sexta-feira passada, em que vincou bem que a Aliança Democrática só poderia contar com a abstenção da bancada socialista se deixasse cair aquelas duas medidas emblemáticas para o Governo. Pedro Nuno acentuou aquilo que tem dito publicamente: “Se o Governo se limitou a si próprio a negociar exclusivamente com o PS, então o Governo tem a obrigação de ceder ao PS em matérias que são fundamentais para o PS.” E deixou a imagem de que não verga. “ Ou ele tem uma vitória clamorosa para apresentar cá fora, ou o Orçamento não passa”, foi a impressão que o líder da oposição deixou nos conselheiros de Estado.
Já André Ventura, na sua segunda participação no órgão consultivo do Presidente da República, terá feito uma intervenção curta. Depois de ter ouvido Marcelo lamente em público que se os moderados não têm empatia, e de ter dito que, sem entendimento ao centro, o “terceiro” passava a ser a “chave”, o líder do Chega voltou a frisar a mesma posição, mas ao contrário: o “terceiro” só admite uma negociação caso o Governo abandonasse as negociações com o segundo. Na reunião de 11 de setembro com o Governo, o líder parlamentar do Chega tinha deixado essa exigência: o Chega só negoceia se o Governo deixar de falar com o PS. Mas, logo nesse dia, Montenegro respondeu que não deixaria de tentar “com todos” encontrar uma forma de viabilizar o OE.
Cavaco Silva, que tem feito sucessivas intervenções públicas, inclusive dizendo que não viria mal ao mundo governar em duodécimos, centrou-se não no Orçamento mas em questões económicas, tendo por subjacente a ideia de que o Governo precisa de tempo para as resolver.
A Presidência da República emitiu o tradicional e seco comunicado, que além de dizer que o Conselho de Estado "analisou a situação internacional e nacional”, exprime solidariedade com as vítimas dos incêndios de setembro. O Conselho de Estado. “formulou um voto de profundo pesar pelos trágicos incêndios ocorridos no nosso país, em especial nas regiões Centro e Norte” evocando “respeitosamente as vítimas mortais e suas famílias, bem como manifestando a solidariedade às populações afetadas e a todos os que combateram os incêndios”.
Encerrado este Conselho de Estado que Marcelo queria mais “internacional”, haverá outro, ainda sem data marcada, mas já anunciado, lá mais para o fim do mês. Depois de o OE ter sido entregue no Parlamento e de o Presidente receber todos os partidos. Ou seja, já com uma perspetiva mais próxima da possibilidade ou não de haver Orçamento aprovado.