Com a escassez de profissionais, devido aos baixos salários que são praticados, os lares dependem cada vez mais de mão de obra imigrante. É dos setores, aliás, que mais recorre a trabalhadores estrangeiros, garante o presidente da União das Misericórdias Portuguesas.

“Muitos portugueses já não estão interessados em fazer este tipo de trabalho. Por isso, a nível nacional, recorremos cada vez mais a imigrantes. O peso que têm nesta área tem vindo a aumentar todos os dias", frisa Manuel Lemos, sem, no entanto, precisar a proporção de trabalhadores estrangeiros nestas unidades.

Os imigrantes "asseguram todo o tipo de trabalhos básicos, desde limpezas a fazer as camas e a cuidar da higiene e da alimentação dos doentes”, adianta. São os chamados auxiliares de serviços gerais, que ganham o salário mínimo ou pouco acima disso.

Segundo o responsável, os ordenados são baixos devido ao valor que o Estado comparticipa por cada utente - 667 euros - e que é considerado insuficiente para cobrir todas as despesas.

É nas regiões do Alentejo, Algarve e Lisboa que se regista maior escassez de auxiliares e, consequentemente, maior recurso a trabalhadores imigrantes. No Alentejo, por exemplo, há uma Misericórdia que emprega trabalhadores de 12 nacionalidades, incluindo dos PALOP, do Brasil, Paquistão, Nepal, Ucrânia e Timor-Leste.

Henrique Rodrigues, da direção da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS), confirma a tendência: “Muitas instituições socorrem-se de mão de obra imigrante, sobretudo pessoas oriundas do Brasil, mas também dos PALOP, para colmatar as falhas de recrutamento, que são cada vez maiores.” A dificuldade em atrair auxiliares é cada vez maior: são poucos os que aceitam trabalhar em lares e, mesmo entre os que o fazem, muitos acabam por sair ao fim de pouco tempo.

“Após algum tempo de formação e de trabalho num lar, acabam por procurar emprego noutros locais, como centros de saúde e hospitais públicos, onde conseguem ordenados melhores”, refere.

Na região da Grande Lisboa, “a maior parte dos profissionais auxiliares são de outras nacionalidades”, corrobora o presidente do Instituto Português de Proteção à Pessoa Idosa (IPPPI). Diretor técnico de uma estrutura residencial para pessoas idosas (ERPI) e até há pouco tempo consultor noutras três unidades, todas na periferia da capital, Pedro Costa assegura que mais de 90% das auxiliares são imigrantes.

“As entidades que se constituem comercialmente como ERPIs também têm o objetivo de serem sustentáveis. Obviamente, têm que gerar dinheiro para pagar os ordenados e para manter a estrutura. E facilmente empregam pessoas pelo menor custo possível, sendo os imigrantes os que estão disponíveis”, explica.

Lares temem impacto das novas regras da imigração

No setor, teme-se o impacto que as novas regras para a imigração, aprovadas esta semana no Parlamento e que restringem fortemente as entradas, possam vir a ter na contratação de trabalhadores, um receio que também se faz sentir noutras áreas, como a hotelaria, turismo e restauração.

Henrique Rodrigues, da direção da CNIS, mostra-se apreensivo: “Este é um dos setores que mais poderá sofrer com uma política de restrição da imigração, na medida em que grande parte dos cuidadores são imigrantes”. Ainda assim, acredita que o mercado saberá ajustar-se: “Mesmo com eventuais restrições, irão garantir-se as necessidades da economia. Se o país precisa de mais mão de obra, ela há de continuar a vir. Portugal é atrativo do ponto de vista da oferta de emprego.”

Manuel de Lemos, da União das Misericórdias, considera que “é muito cedo” para avaliar o eventual impacto das medidas avançadas pelo Governo, mas deixa um aviso: “Sejamos muito claros: o setor social precisa dos imigrantes.”

Já Pedro Costa não acredita que as medidas venham a ter um efeito negativo. “Acho que esta regulação da imigração é positiva, porque apenas quem tem intenções sérias de vir para o nosso país, trabalhar e ser um contributo ativo para a sociedade é que consegue regularizar-se”, defende.

Misericórdias querem recrutar enfermeiros no Brasil. Ordem opõe-se

Além dos auxiliares, outro grupo profissional em grave escassez nos lares são os enfermeiros. “Os ordenados que conseguimos pagar estão limitados pela comparticipação que recebemos do Estado. Além disso, os jovens enfermeiros estão a emigrar em massa, com ofertas de França, Inglaterra e Suíça que incluem salários e condições de trabalho completamente impraticáveis em Portugal”, lamenta Manuel de Lemos.

Para enfrentar este problema, o presidente da UMP defende que é necessário reforçar a contratação de profissionais estrangeiros qualificados. “As instituições sociais precisam e têm vontade de contratar pessoas qualificadas. Se não as encontram cá, têm de as procurar fora”, defende.

A União das Misericórdias diz estar em conversações com a Ordem dos Enfermeiros no sentido de facilitar a entrada de profissionais estrangeiros qualificados, principalmente enfermeiros, para exercerem a profissão em Portugal. "Estamos a tentar encontrar soluções com a Ordem para resolver este problema", explica Manuel de Lemos. "Queremos recrutar pessoas com formação em enfermagem, desde que sejam qualificadas, para trabalhar em lares e unidades de cuidados continuados geridas pelas misericórdias.” O Brasil é apontado como o principal país onde se pretende recrutar esses profissionais. “Sabemos que o país possui alguns dos melhores hospitais da América Latina, com enfermeiros de elevada qualidade. Se conseguirmos ultrapassar as questões de equivalência das formações, podemos contar com profissionais altamente qualificados”, conclui. Quanto ao número de enfermeiros necessários, Manuel de Lemos não sabe indicar com precisão, mas garante que “as necessidades aumentam de dia para dia”.

A Ordem dos Enfermeiros, no entanto, opõe-se a esta proposta. "Para nós, está fora de questão", afirma ao Expresso o bastonário Luís Filipe Barreira, que admite ter discutido o assunto "numa ocasião" com o presidente das Misericórdias. O principal problema, explica, está relacionado com as questões de equivalência de formação. “O reconhecimento de enfermeiros estrangeiros deve ser feito de acordo com o quadro normativo em vigor”. Se os enfermeiros tiverem feito formação na Europa e se se enquadrarem na diretiva europeia relativa ao reconhecimento das qualificações profissionais, “pode haver reconhecimento da sua formação por parte da Ordem dos Enfermeiros, mediante determinados critérios", esclarece. Para todos os outros, que tenham feito formação fora da Europa e que não estejam abrangidos pela diretiva, “será necessário obter equivalência à licenciatura portuguesa ou um reconhecimento específico por uma escola superior de saúde ou enfermagem”.

Para Luís Filipe Barreira, a solução para o problema da escassez de enfermeiros passa essencialmente pela melhoria das condições de trabalho nas estruturas residenciais e nos cuidados continuados. "O Estado tem feito um esforço no sentido de aumentar a contratualização nos lares. O setor social tem de rever o acordo coletivo aplicado às misericórdias e à CNIS, para atualizar os vencimentos destes profissionais e torná-los mais competitivos, ao nível do SNS", defende. "Sem isso, será impossível atrair profissionais. Se continuarem a pagar mil euros aos enfermeiros, quando no SNS o vencimento é de 1.500 euros, é óbvio que ninguém irá candidatar-se ao setor social.”