A académica Amanda Seruti considera que 'fake news' são um problema público que exige mais do que um esforço individual, destacando ser possível acreditar em desinformação devido à falta de raciocínio crítico ou por se pensar demais.

Em entrevista à agência Lusa, a autora do projeto de tese de doutoramento "Por que é que as pessoas acreditam em 'fake news'?", diz que as notícias falsas são um problema que sempre existiu, mas que está cada vez mais em evidência, devido ao papel das redes sociais que aumentam o seu alcance.

Amanda Seruti refere que as pessoas podem acreditar em notícias falsas devido à falta de raciocínio, "porque não pensam tanto e acabam por acreditar em informação falsa", ou porque "pensam demais e entram num processo chamado de pensamento motivado", pensando com um objetivo emocional ou ideológico em mente e não para descobrir a verdade.

No projeto da sua tese, a doutoranda está a investigar a influência do contexto na aceitação da desinformação, procurando "explorar em que contextos o raciocínio pode aumentar a vulnerabilidade à desinformação, particularmente em situações que envolvem perceções e meta-perceções entre grupos políticos".

A académica explica que "as meta-perceções são inferências que se fazem sobre o que os outros pensam sobre nós", indicando que tanto pessoas de direita como esquerda tendem a acreditar que o grupo ideológico oposto os avaliam de forma mais negativa ou hostil do que a realidade.

"Esta perceção exagerada de hostilidade parece aumentar a aceitação de desinformação que favorece o próprio grupo", sugerindo que a forma como se avalia as pessoas com ideologias diferentes pode "tornar-nos mais vulneráveis à desinformação", pelo que, em vez de procurar a verdade, o objetivo passa a ser defender o grupo a que se pertence, fazendo com que se aceite facilmente informações falsas que favorecem "o nosso lado".

Por exemplo, "as pessoas de direita tendem a acreditar em informações verdadeiras e falsas que favoreçam as pessoas de direita e os seus grupos" e vice-versa.

Neste contexto, as redes sociais desempenham um importante papel, pois as pessoas estão presas em bolhas ideológicas, onde recebem informação falsa e verdadeira "que, de alguma forma, têm a ver com aquilo em que acreditam", estando em causa a ilusão de verdade e um efeito de repetição, diz Amanda Seruti.

"As pessoas tendem a acreditar mais naquilo que elas veem repetidamente e as redes sociais não só criam um ambiente propício para partilhar a desinformação", como também fazem com que "as pessoas estejam expostas às mesmas informações ou a informações muito semelhantes, aumentando a ilusão de verdade de algo que muitas vezes é falso", afirma a académica.

Neste sentido, "as 'fake news' podem aumentar a polarização, que, por sua vez, também parece contribuir para aumentar a crença em 'fake news' (...) quanto mais as pessoas de direita acham que as pessoas de esquerda desumanizam as pessoas da direita, mais tendem a acreditar em informação falsa que favorece o seu grupo como um mecanismo de proteção ideológico" e vice-versa, numa polarização que também se sente em Portugal.

Assim, uma das formas de lidar com as 'fake news' está relacionada com a "correção destes exageros em que se tende a avaliar quão negativa é a visão do outro em relação ao grupo oposto", pois "apesar de as pessoas pensarem de forma diferente e terem visões e orientações políticas diferentes, nem sempre isso implica uma visão mais hostil do outro".

O projeto de tese de Amanda Seruti contou com a colaboração da agência Lusa, pretendendo desenvolver um plano de literacia mediática, para ajudar as pessoas a lidarem com notícias falsas, bem como o desenvolvimento de ferramentas que permitem ajudar jornalistas a trabalhar estes temas.