
Neste episódio especial, gravado ao vivo na Biblioteca Nacional, exploramos as raízes intelectuais que moldaram a Revolução de 25 de Abril de 1974. O ponto de partida é o manifesto que Ernesto Melo Antunes leu perante mais de uma centena de oficiais em Cascais no dia 5 de março de 1974, no qual o militar defende que a «solução do problema ultramarino é política e não militar».
A história é convocada para justificar esta ideia já expressa semanas antes por António de Spínola no seu Portugal e o futuro: "esta solução tem de ser encarada com realismo e coragem, pois pensamos que ela corresponde não só aos verdadeiros interesses do Povo Português como ao seu autêntico destino histórico e aos seus mais altos ideais de justiça e de paz".
Sabemos que, durante o Estado Novo, vários oficiais do Movimento das Forças Armadas eram leitores de obras portuguesas, mas também estrangeiras que rompiam com a visão da história e da sociedade imposta pela Ditadura.
Tanto em Portugal como lá fora, em condições por vezes precárias, os cientistas sociais desbravaram campos de estudo quase virgens: a história dos séculos XIX e XX, o estudo da sociedade portuguesa, dos seus bloqueios e das suas desigualdades, um olhar não apologético sobre a expansão ultramarina.
As ciências sociais constituíam muitas vezes uma arma contra o regime ditatorial: perceber as estruturas da sociedade, inserir o Estado Novo numa cronologia mais larga, realçar as raízes económicas da invasão de Ceuta em 1415 e das conquistas posteriores permitia desconstruir a propaganda e o discurso autolegitimador impostos pela ditadura.
As condições de produção destas obras eram adversas na maioria dos casos: os investigadores opostos à ditadura não tinham lugar na universidade onde, salvo raras exceções, o espírito crítico não imperava.
Vários pesquisadores tiveram de sair do país para fugir a persecuções e para continuar os estudos. Para muitos exilados, continuar a trabalhar sobre Portugal era uma forma de prolongar o combate político e de manter uma ligação com um país no qual não podiam viver.
Se podiam conviver com historiadores, sociólogos, antropólogos e filósofos de renome e aceder a bibliotecas e arquivos melhor organizados que em Portugal, investigar no exílio implicava muitas vezes não ter acesso à documentação apenas existente em Portugal.
Publicar livros também era uma prova devido aos constrangimentos impostos pela ditadura.
No entanto, algumas destas obras tiveram uma circulação importante (com tiragens ultrapassando dezenas de milhares de exemplares), saindo dum âmbito meramente académico.
Quais foram as inovações historiográficas que trouxeram António Borges Coelho, António Henrique de Oliveira Marques, Miriam Halpern Pereira e Vitorino Magalhães Godinho no contexto da ditadura, das guerras coloniais, mas também da perda de influência do Partido comunista português no campo intelectual português?
Como pensaram a história de Portugal num período de crescimento acelerado da industrialização, de êxodo rural e de abertura do país ao estrangeiro (por via da emigração, da expansão do turismo e da abertura ao capital estrangeiro)?
Como é que os sociólogos e os antropólogos abordaram uma sociedade que conhecia profundas mudanças em poucos anos? E que receção tiveram as suas obras nas vésperas do 25 de abril de 1974?
João Leal, Jorge Pedreira, Maria de Lurdes Rosa e Miriam Halpern Pereira são os convidados do terceiro debate sobre ‘As Origens Intelectuais da Revolução’.
Com moderação de Victor Pereira, este episódio foi gravado ao vivo em 30 de outubro de 2024 na Biblioteca Nacional, ao qual o Expresso se associou para assinalar os 50 anos do 25 de Abril. Oiça-o aqui.