O momento não é o melhor para copiar Paulo Fonseca e fazer de Zorro, mas se Bruno Lage aparecesse hoje mascarado na conferência de imprensa de antevisão do jogo com o Barcelona até o galo voltaria a cantar no auditório da Luz. O som, recorde-se, ouviu-se graças a um toque de telemóvel que ecoou na sala antes da projeção do duelo das águias com o Sporting de Braga (quartos de final da Taça de Portugal) e levou o treinador a manifestar-se imediatamente disponível para “começar a missa”.

RUI MINDERICO/Lusa

Nesta terça-feira de Carnaval, padres e ordenações à parte, faria muito mais sentido Lage disfarçar-se de Rui Costa ou Roger Schmidt. Qualquer um deles tem motivos suficientes para emprestar o fato ao setubalense, sobretudo no quadro de uma conversa com os jornalistas a propósito do reencontro com os catalães na Liga dos Campeões.

CARLOS COSTA

Só a contar com os pontos obtidos na fase regular, o Benfica amealhou o suficiente para suportar na íntegra os custos do despedimento de Schmidt. De acordo com um comunicado que a SAD enviou a 12 de dezembro último à CMVM, a saída do alemão foi selada com o pagamento de 8,7 milhões de euros, o que significa que as verbas da UEFA que premiaram os quatro triunfos e o empate registados antes do play-off bastaram para cobrir a despesa aberta com a chicotada psicológica.

Numa brincadeira de Entrudo, dir-se-ia que Lage pagou do próprio bolso para se voltar a sentar no lugar onde sempre desejou estar. As vitórias alcançadas sobre Estrela Vermelha (1-2, em Belgrado), Atlético Madrid (4-0, em Lisboa), Mónaco (2-3 no Principado) e Juventus (0-2, em Turim), além do empate (0-0) caseiro com o Bolonha, proporcionaram, em rigor, quase (8,9) nove milhões de euros, contribuindo para um encaixe total na Champions que se situa nos 71,8 milhões de euros.

Do ponto de vista financeiro, o clube tem no horizonte a possibilidade de escrever história no futebol português, precisando, para tanto, de se vingar a preceito do resultado (4-5) registado ante este mesmo Barcelona a 21 de janeiro. Um golo no último segundo do ex-leão Raphinha, concluindo um contra-ataque desencadeado depois de um penálti que o VAR não detetou por falta sobre Leandro Barreiro na área catalã, obrigou os encarnados a darem o tudo por tudo frente à Juve, cenário que não vai mudar nada no duplo confronto agendado com os líderes da Liga espanhola.

TIAGO PETINGA // LUSA

Face ao gigantismo dos números evidenciados pelo plantel orientado por Hansi Flick também no contexto uefeiro, tudo o que não seja um Benfica a mil por cento deverá ser insuficiente para chegar aos quartos de final, patamar que a ser alcançado permitiria um novo recorde nacional de receitas. Em 2018/19, o FC Porto amealhou na Liga dos Campeões qualquer coisa como 79,2 milhões de euros (eliminado apenas nos quartos-de-final pelo Liverpool, que viria a ganhar essa edição), valor que pode ser superado se o rival da capital a 11 de março sair da Catalunha com outro cheque de 12,5 milhões de euros.

VITÓRIA É UMA DERROTA

Na ótica de Rui Costa, um bolo de 84,3 milhões de euros e um frente a frente com o vencedor do Borussia Dortmund-Lille na rota para as meias-finais representaria uma espécie de salvo-conduto na corrida eleitoral de outubro, da mesma forma que Bruno Lage teria direito a dormir nas nuvens e a sonhar com um triplete de todo inconcebível quando a temporada arrancou.

Não sendo um privilégio exclusivo do onze capitaneado por Nicolás Otamendi (basta ver o que está à disposição dos representantes espanhóis... antes do dérbi madrileno que principia esta noite), a verdade é que o Benfica está em condições de poder festejar no fim de 2024-25 a conquista do campeonato, da Taça de Portugal e... da Liga dos Campeões que foge há longos 63 anos.

Nem sequer durante a era de diamante personificada pelo mítico Béla Guttmann o emblema da Luz foi capaz de arrebatar numa só temporada os três principais troféus, apesar de o treinador húngaro ter oferecido duas Taças dos Clubes Campeões Europeus à geração de 60 glorificada por nomes como Eusébio, Coluna, Simões, José Augusto ou o capitão José Águas.

SIC Notícias

A primeira “orelhuda” a viajar para o museu depois da final de Berna ganha (3-2) ao... FC Barcelona coincidiu com o primeiro lugar no campeonato mas também com a eliminação nos oitavos de final da Taça de Portugal à custa de um Vitória de Setúbal em que pontificava Jaime Graça, o ídolo a quem Lage dedicou o título de 2019/2020.

Quando Guttmann bisou em 1962 na final de Amsterdão à custa do Real Madrid (5-3, já com Eusébio no onze), a temporada terminou com Fernando Caiado a orientar o triunfo na Taça (com o Vitória de Setúbal a beber do seu veneno enquanto finalista) e com um... terceiro lugar no campeonato, exibindo o Sporting de Juca e Otto Glória as faixas de campeão.

Caso tudo aconteça conforme os mais sumptuosos desejos de Bruno Lage, este esvaziará para sempre a polémica em torno da veracidade da celebérrima maldição de Guttmann, a quem foi atribuída a sentença que condenaria o Benfica a um eterno jejum europeu. Se cometer tal feito, não é de descartar que após a final marcada para 31 de maio Bruno se apresente na sala de imprensa de colarinho branco e batina, mascarado para a homilia da sua vida.

E outro galo cantará no Carnaval de Munique.