Corria o mercado de verão de 2005. O Benfica precisava de apetrechar a sua frente de ataque com um jogador de renome. Solução? A via do empréstimo. Desta forma, o pequeno Fabrizio Miccoli chega à Luz, proveniente da Juventus. A verdade é que duas épocas com a águia ao peito foram suficientes para deixar saudade: foram 19 os golos apontados (e muito perfume espalhado pelos terrenos lusos) antes de seguir para o Palermo.

Numa história bastante curta entre os encarnados e o país da bota, há um novo elemento a ficar com o testemunho passado pelo Romário Italiano - alcunha atribuída a Miccoli -. Andrea Belotti, cedido pelo Como 1907, assinou pelos pupilos de Lage, com o intuito de alavancar a torneira de golos da equipa. Com a camisola '19' vestida, o experiente ponta de lança quer certamente regressar aos seus tempos áureos enquanto temível matador.

A relação entre Il Gallo e a baliza adversária não tem estado tão apurada recentemente. O zerozero decidiu então dar a conhecer as raízes do atleta de 31 anos, bem como os motivos para a quebra acentuada de rendimento, numa conversa com Andrea Di Carlo, jornalista italiano.

Escolha difícil: golos ou... galos?

Nascido a 20 de dezembro de 1993, Andrea Belotti começou a ganhar o gosto pelo futebol no Grumellese, emblema de menor expressão situado em Grumello del Monte. Com 13 anos, o avançado precisava de pouca coisa para estar feliz: uma bola e uma sandes de salame, que a avó fazia e entregava no final dos jogos para o neto recuperar energias.

É nesta pequena aldeia que surge o fascínio por um animal concreto, que viria a dar origem a uma comemoração especial: «Em criança, costumava ir à quinta da minha tia. Ela dizia-me que eu era fascinado pelos animais com uma crista [risos]. Eu perseguia os galos e parava a olhar para eles. Uma admiração estranha», referiu Il Gallo, numa entrevista.

A imitação de um galo é a celebração predileta de Belotti @Fiorentina

O futuro internacional pela Squadra Azzurra começou o seu percurso numa zona mais recuada, tratando da distribuição de jogo da sua equipa como médio centro. Passou posteriormente a jogar no corredor, como extremo, no AlbinoLeffe. No entanto, Alessio Pala, técnico da equipa principal, teve uma ideia diferente para o seu pupilo: 'e se colocássemos o Andrea como ponta de lança?'

A verdade é que na sua estreia profissional, Belotti saltou do banco para rubricar o seu nome na lista dos marcadores, diante do Livorno 1915. Nos oito duelos realizados em 2011/12, o italiano apontou, apenas, dois golos, mas na época que se sucedeu, foram 12 os tiros certeiros, um registo bastante considerável face à tenra idade.

A sua capacidade matadora chamou a atenção do Palermo, que, à época, jogava na Serie B. Num patamar mais elevado, ajudou os rosanero a retornar à primeira divisão, sendo uma opção muito viável vindo do banco de suplentes. Porém, seria na sua próxima paragem onde acabaria por redigir as páginas mais douradas.

100 milhões! Se quer levar, tem de pagar

O Torino, visionário, reconheceu potencial no Gallo e, como tal, desembolsou 8.4 milhões de euros para a sua contratação, no mercado de verão de 2015. Após 12 (promissoras) finalizações certeiras, o '9' dos granata abriu verdadeiramente o livro na temporada 2016/17.

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O ponta de lança arrancou a campanha individual em beleza, com um tento frente ao Milan, na jornada inaugural do campeonato. O jovem Andrea acabaria por festejar mais 27 vezes (!), apontando, ainda, sete assistências, algo que o colocou na lista dos avançados mais promissores do mundo. Acabou também por se estrear pela seleção guiada por Gian Piero Ventura, num amigável frente à França.

Com esta época brilhante, o interesse dos colossos europeus acabou por se acentuar. Todavia, Urbano Cairo, presidente do conjunto de Turim, foi perentório: «Não precisamos de vendê-lo. Belotti é o centro das atenções, todos falam sobre ele, mas eu quero mantê-lo no clube. Ele só sai pela cláusula de rescisão de 100 milhões de euros», referiu à Sky Sports Italia.

Segundo informações veiculadas pela imprensa internacional, o Arsenal, de Arsène Wenger, mostrou uma grande vontade em adquirir a promessa, mas os valores apresentados ficaram sempre muito longe da quantia que o líder máximo do Toro exigia.

Conto amargo: uma sucessão de capítulos infelizes

Assim, com a braçadeira de capitão no ombro esquerdo, Andrea Belotti procurou repetir em 2017/18 a proeza obtida na época transata. Contudo, os números ficaram aquém do expectável, com os 13 golos marcados a não serem dignos de aplausos. Um mero descuido na carreira? Não...

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Nas cinco épocas posteriores, o caudal do avançado em termos de contribuições diretas continuou bastante longe da sua melhor fase. A mudança de ares para a Roma, em 2022, poderia simbolizar o renascimento do Gallo, mas o conto do nosso protagonista não teria capítulos mais risonhos - quatro golos e duas assistências, em 46 jogos realizados -.

Apesar das prestações pouco convincentes na Fiorentina, a título de empréstimo, o Como 1907 chegou-se à frente e pagou 4,5 milhões de euros aos giallorossi, numa nova oportunidade para o experiente ponta de lança mostrar que as suas pilhas ainda não esgotaram. Contudo, na máquina oleada por Cesc Fàbregas, a peça italiana mostrou-se (novamente) deslocada face ao coletivo, com as duas finalizações certeiras a serem prova cabal desta curta análise.

Apesar destas sucessivas falhas recentes, o Benfica estendeu a mão ao experiente atleta, mostrando que ainda acredita no seu potencial. As águias vêm no gallo uma forma de voar mais alto... uma metáfora pouco convencional.

A opinião de Andrea Di Carlo, jornalista italiano

Como descreveria o Belotti enquanto jogador?: «Tem uma boa capacidade física, mostra uma grande vontade de vencer, algo que é notório na forma como pressiona as defesas adversárias. Para além disso, é muito bom a proteger a bola. Tecnicamente, também tem pormenores interessantes. Antigamente, tinha uma boa capacidade de aceleração, mas agora nem tanto. Na fase atual, o Belotti não é um dos melhores avançados na Itália.»

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E em termos de personalidade? É alguém mais ponderado ou mais excêntrico?: «Não, ele é muito calmo e muito tímido. Na Itália, nós utilizamos a expressão 'casa e chiesa' - significa casa e igreja. Ele não é um homem de festas. É uma pessoa muito acessível, que gosta de estar perto da sua família. Provavelmente, vocês [portugueses] vão vê-lo a dar uns longos passeios por Lisboa. É uma pessoa que certamente se vai integrar bem no balneário. Tem uma energia muito positiva.»

A trajetória de Belotti foi bastante irregular, com altos e baixos ao longo dos últimos anos. A que é que se deve esta inconsistência?: «Eu acho que existiram duas versões diferentes do Belotti. Uma no Torino, onde ele era um avançado excecional. Ele era, de forma meritória, o ponta de lança da seleção italiana. Esse foi, sem dúvida, o melhor momento da sua carreira. Depois, ele acabou por vir para a Roma, mas as coisas não correram nada bem. Ele não mostrou o rendimento necessário no projeto. Eu continuo sem entender o que originou esta quebra. Alguns golos, algumas boas exibições, mas nada de extraordinário. Ele segue para o Como e a energia acaba por ser bastante similar. Jogou pouquíssimo tempo.»

O que é que levou Belotti a brilhar mais no Torino, face a outros destinos?: «No Torino, ele era visto como um rei. Todos os colegas jogavam para ele, o que facilitava o seu trabalho. Sentia-se muito confortável e confiança na altura. A grande dificuldade da carreira do Belotti foi encontrar outra equipa onde ele fosse a estrela.»

Andrea Belotti
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Acredita que no Benfica, Belotti poderá ressuscitar a sua carreira?: «Honestamente, ficamos chocados com esta aposta do Benfica. No entanto, o Belotti pode ser um jogador que se adequa à forma de jogar da equipa portuguesa. Ele, provavelmente, terá mais chances para provar o seu valor em Portugal. O futebol português é menos tático. As defesas dão mais espaços aos avançados. Se arranjarem formas para o Belotti aproveitar estas brechas, ele pode voltar a ser um avançado muito interessante. Pode ser uma mudança muito positiva. Estamos muito curiosos para saber como ele se vai safar em Portugal.»

«É a primeira vez que joga fora do seu país, num novo contexto, então vai precisar de um tempinho de adaptação. Eu acho que ele vai precisar de esperar umas semaninhas até ter uma real oportunidade, portanto, vai precisar de ter alguma paciência. Obviamente que em jogos contra o Sporting e contra o FC Porto, em partidas de alta intensidade, vai ser mais difícil para ele. Contudo, em jogos frente a adversários de menor expressão, Belotti poderá ser mais letal e preponderante.»