
Em certos trechos, a Volta à Flandres é uma tentativa inusitada de colocar o Rossio na rua da Betesga. O estreitamento dos setores macadamizados serve de funil para filtrar os resistentes. Os paralelepípedos de arestas vetustas causam turbulência nas pedaladas. Na frente do segundo monumento da temporada chegou um ser que anda sempre em cima das nuvens vestido de branco como um anjo.
Os primeiros quilómetros de 269 decorreram com a tranquilidade de um circuito de cicloturismo. Depois, começou uma outra corrida, convulsiva, agitada e imprevisível. No Oude Kwaremont, o primeiro segmento com pedras a pintalgar um oblongo corredor, houve no pelotão quem tivesse que parar, pôr o pé no chão, tirar senha, esperar que fosse chamado o seu número e voltar a subir para a bicicleta.
Com esta demonstração de biatlo, começava a ser distribuído um surto de nervos. De maneira contraditória, foi numa estrada de asfalto, larga, que se sucedeu um acidente que afetou algumas previsões. Elementos da Alpecin-Deceuninck, incluindo Mathieu van der Poel, e da UAE Emirates envolveram-se numa queda. Tentou aproveitar-se a Red Bull-BORA-hansgrohe sem grande efeito.
A seleção tardava a ser feita. A UAE Emirates estava debilitada e ao quilómetro 80 já era António Morgado, quinto em 2024, 90.º em 2025, que dava cabeçadas no vento. Na fuga seguia Filippo Ganna, afetado pelo vírus Tadej Pogačar, patologia que leva o seu portador a acreditar que pode ganhar em todo e qualquer terreno.
O Oude Kwaremont voltaria a estar em foco. Tadej Pogačar, na segunda passagem pelo local, transportando na sacola Mathieu van der Poel, Wout van Aert, Matteo Jorgenson e Mads Pedersen. Assim que este grupo de perseguidores se juntou à frente da corrida, a UAE Emirates deu conta, mais uma vez, dos efeitos do seu desnorte tático. A Visma tinha três ciclistas, tal como a Lidl-Trek, no grupo restrito que entrava nos últimos 40 quilómetros em melhores condições para decidir a corrida.
Tadej Pogačar, tantas vezes habituado a colaborar consigo mesmo, desfez a lógica coletiva e passou a liderar a corrida aos repelões. Mathieu van der Poel parecia ser quem estava em melhores condições de resistir. O mano a mano das clássicas entre dois corredores com sete monumentos conquistados estava a ser lançado, mas ciclistas como Pedersen, Van Aert e Stuyven ressuscitaram.
O esloveno que esta semana disse que “as redes sociais são o cancro da sociedade”, ligou o modo de voo, colocou-se offline e não deixou ninguém conectado. O campeão do mundo conquistou a Volta à Flandres pela segunda vez na carreira. Mads Pedersen (2.º) e Mathieu van der Poel (3.º) sprintaram por um lugar no pódio.