Chegaram aos momentos em que o Tour se transforma num conteúdo de entretenimento superior, os momentos em que contemplamos o dom que aqueles que desenham o percurso têm para esconder o risco branco demasiado bem, atrás das mais exigentes montanhas que podem ser apenas ilusão de ótica. Onde uns veem subidas, Tadej Pogačar vê rampas de lançamento para a glória.

No início da viagem até ao topo do Hautacam, Jhonatan Narváez fisgou o esloveno e pensava-se que ia começar o clássico do ciclismo moderno: Pogačar-Vingegaard. Foi fugaz, nem chegou a existir, o equilíbrio entre os dois. A ligação daqueles que antigamente não se descolavam foi desfeita por uma capacidade taumatúrgica do líder da UAE para se superiorizar ao rival. Ao rival e a todos os outros, porque, na terceira vitória nesta edição da Volta a França, voltou a mostrar ser o único com o caminho livre para exercer o seu livre-arbítrio em cima do selim. Aos outros, são as estradas lhes seguram o destino.

Tivemos 13,5 quilómetros a uma inclinação média de 7,9% para pensarmos no quão extraordinária é a ilha competitiva em que está Pogačar. Começou a etapa 12 do Tour com o arco-íris na camisola de campeão do mundo e saiu dela com a camisola amarela furtada a Ben Healy (caiu para 11.º lugar, +13’19’’). De novo líder da classificação geral, tem 3’31’’ de vantagem para Vingegaard e 4’45'' para Remco Evenepoel, que chegou a ameaçar um descalabro maior.

No início, quando todos parecem estar a ser guiados para um massacre, Pogačar traça o seu próprio caminho para o céu. Enganaram-se aqueles que, na frente da corrida, organizaram uma festa muito pouco privada, na qual 51 ciclistas alinharam. Contrariamente ao aconselhável em momentos de convívio, havia grupos. A Ineos, com cinco elementos, quase organizou o evento de anúncio da candidatura de Carlos Rodríguez ao top-10 da geral dentro de um outro evento.

A preocupação com os fugitivos foi pouca. Pelo menos, o empenho na perseguição a quem resolveu aumentar o ritmo mais cedo não foi muitíssimo organizado. A convicção - correta, assim se revelou - era de que a alta montanha ia abrandar quem queria escapar à lei do pelotão. A contumácia foi castigada.

Bruno Armirail foi o que se manteve longe da crueldade do pelotão durante mais tempo, entrando no Hautacam ainda líder da corrida. No grupo principal, a primeira subida do dia, ao Col du Soulor tinha já exposto Remco Evenepoel e Ben Healy que, mais adiante, foram espezinhados pela dureza.

Isoladamente, Jonas Vingegaard continua a ser impressionante, mas parece um super-herói inerte por ser sucessivamente comparado a quem é. Para ajudar, a UAE até teve um desempenho coletivo que permitiu ao seu líder não desperdiçar combustível. Tim Wellens - desceu da fuga original - e Jhonatan Narváez foram boas ajudas.

Tadej Pogačar cruzou a meta a sorrir. Voltou a ser um dia animado na mesa em que só ele tem uma cadeira para se sentar. Avizinha-se uma cronoescalada onde será surpreendente que não continue a dominar.