Não há como não olhar para aquele jogo do verão, em pleno court Philippe Chatrier, com os anéis olímpicos como emocional companhia, e não acreditar que, sim, talvez ali fosse o local indicado para um último encontro entre Rafael Nadal e Novak Djokovic, a rivalidade mais duradoura do ténis mundial, na terra batida em que Rafa foi rei e onde em outros tempos disputaram encontros que encontrarão o seu sítio muito especial no Olimpo da modalidade - o confronto de 2021 em Roland Garros, por exemplo, vem assim imediatamente à cabeça.

Mas os tenistas não serão tipos muito agarrados a bonitas narrativas, principalmente quando há dinheiro, muito dinheiro, na equação. O jogo de finais de julho, curiosamente, não deu dinheiro a ninguém, porque assim são os Jogos Olímpicos: são especiais porque se está lá pela glória e não por mais uns quantos milhões de reis a caírem imediatamente na conta. Em Riade, Novak Djokovic e Rafael Nadal encontraram-se pela última vez, num jogo que não figurará nos 60 oficiais em que se digladiaram ao longo dos últimos anos, mas é o último e isso tem um peso. Um peso que, na cabeça de muita gente, também terá atrelado um cheque batido por uma ditadura que olha para os direitos humanos com algum desprezo.

Custa assim assistir a um momento destes fora das catedrais que ganharam por direito próprio esse estatuto e não à custa de petrodólares e uma vontade imensa de se pavonear. Podia ter sido em Paris, sim, mas é o que é. O último Djokovic-Nadal será sempre num caríssimo pavilhão recém-construído em Riade, no reino da Arábia Saudita. Felizmente, Nadal terá uma despedida mais digna no seu território, a jogar em casa e por casa na final da Taça Davis, daqui a algumas semanas, num pavilhão de Málaga que será certamente menos luxuoso que este, mas onde haverá infinitamente mais coração.

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E coração, diga-se, foi o que também faltou a este jogo. O problema das exibições é exatamente esse: ou se joga puramente para o show, ou quando se tenta dar um mínimo de seriedade à competição os jogos ficam invariavelmente chatos, porque ninguém estará ali seguramente a dar o seu melhor. Nem a cacofonia de leds e a estridente identidade gráfica deste Six Kings Slam, algures entre o Senhor dos Anéis e uma qualquer lenda viking, trouxeram mais emoção a um jogo em que ela foi apenas aparecendo de tempos a tempos, indigno do momento em questão.

Djokovic entrou logo a abrir, quebrando o espanhol e percebendo logo ali que, naturalmente, o público estava pelo homem que está a dizer adeus. Isso é algo que normalmente arrelia o sérvio, mas não desta vez: aliás, foi sempre com classe, graça e até bastante humildade que Novak Djokovic assistiu ao adeus dos seus dois principais rivais, Federer e agora Nadal.

Com o público do seu lado, Nadal foi distribuindo aqui e ali alguns doces: um amortie cheio de açúcar para a esquerda de Djokovic, umas paralelas impossíveis, umas pancadas todas spinadas quando menos se esperava. Mas, no braço, no jogo contínuo, estava lá a dificuldade do espanhol em imprimir força a bolas que antes seriam balas saídas de canhões. Com dois breaks no saque do rival, Djokovic fechou o 1.º set com 6-2.

O 2.º set começou a papel químico, objeto hoje em desuso mas que provavelmente ainda se utilizaria quando Nadal se tornou profissional, há mais de 20 anos, com Djokovic roubando o serviço ao espanhol, que responderia logo no jogo seguinte, quebrando o sérvio que se foi aventurando em algumas subidas à rede mais estroinas, que o sérvio nunca arriscaria num jogo a sério.

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O parcial foi então caminhando para o seu final com tudo empatado, até Djokovic voltar a quebrar Nadal quando o marcador mostrava 4-4. E porque isto era uma exibição e porque Djokovic sabia qual era o seu lugar neste jogo, terá permitido por gentileza que Nadal devolvesse a gracinha, para esticar o encontro, o último encontro. Nadal agradeceu com duas direitaças incríveis, paralelas, imparáveis, a fazer lembrar outros dias, em que todos éramos mais jovens e não tínhamos de assistir à inclemente passagem do tempo. O tie-break cairia para Djokovic, não fosse ele o maior domador deles: há estatutos que não se podem perder.

Esperava-se então uma emocionante despedida, as últimas palavras entre dois grande rivais, um momento de expiação coletiva, mas não dá para comprar um coração. Djokovic, na verdade, foi quem mais tentou, falando do respeito por um “atleta incrível, uma pessoa incrível” e desejando encontros futuros à beira-mar, numa qualquer praia, a beber um copo e a falar da vida e não num court. “Não deixes o ténis, meu. Fica um bocadinho mais connosco”, apelou o sérvio, num momento sincero e honesto.

De Rafa poucas palavras além das protocolares, dos agradecimentos da praxe. Apesar da fúria em campo, daquela capacidade de superação, de luta, digna de um verdadeiro guerreiro, o espanhol é um tipo geralmente comedido. Não houve lágrimas, talvez elas estejam reservadas para outras ocasiões que lhe mexam mais lá dentro e não em frente a um microfone, a responder a duas ou três perguntas anódinas e com uma, supomos todos, raqueta de ouro na mão, oferecida por um oficial do governo do país, que os sauditas não são de dar presentes mixurucas.