Olhando para a salganhada que ia naquela bola, um dos rabiscos dizia: “Quanto é que pagaste ao árbitro?” Todo o plantel do Manchester United tinha assinado o objeto que certificava o hat-trick de Bruno Fernandes. Empossara-se dele quando o jogo terminou e deixou-o andar de mão em mão pelo balneário. Algum engraçadinho, com a mesma energia do aluno que desenha nos livros novos do colega de carteira, aproveitou a modesta vigia para lhe escrever uma mensagem jocosa.

A situação do Manchester United não tem sido dada a grandes piadas. Os mínimos históricos de desempenho desportivo são desmoralizadores. A penúria estende-se aos bastidores onde há funcionários a serem despedidos e os que ficaram nem cantina para almoçarem já têm em Old Trafford. O período das vacas gordas passou. É hora de reduzir custos e aumentar receitas. Uma hipotética conquista da Liga Europa vale a presença na Liga dos Campeões no próximo ano, meta inatingível via Premier League.

Esta semana, Jim Ratcliffe, um dos donos do Manchester United, não se coibiu de dizer que alguns jogadores do clube “não são bons o suficiente e são demasiado bem pagos”. Espicaçado ou não, Bruno Fernandes respondeu em campo. O primeiro penálti que marcou teve o tradicional trote no caminho para a bola. O segundo fê-lo puxar pela imaginação, porque ser criativo é fazer quem está na baliza saber menos do que aquilo que pensa. Retirando adereços à corrida, marcou de novo. O terceiro golo conseguiu-o de contra-ataque.

“Obviamente, não é bom ouvir algumas coisas.” O médio foi sincero após a vitória (4-1) contra a Real Sociedad, nos oitavos de final da Liga Europa. A franqueza terá sido encorajada por uma exibição que dificilmente Jim Ratcliffe considera ter sido mal remunerada. Bruno Fernandes tem sido uma das poucas constantes no Manchester United desde que fez o mesmo caminho que Ruben Amorim, do Sporting para Inglaterra. Com 24 golos e 17 assistências na Liga Europa em toda a carreira, o internacional português é o jogador em toda a história da competição cuja soma destes dois parâmetros estatísticos é maior.

Ash Donelon

Não é por acaso que usa a braçadeira. Seis épocas de Manchester United acrescentaram-lhe esse peso, mas, tudo somado, apenas venceu uma FA Cup e uma Taça da Liga com muita pena para Ruben Amorim. “É o capitão perfeito para a nossa equipa. Temos que o ajudar a ganhar troféus, porque ele merece muito.”

A goleada imposta pelos red devils em Old Trafford, para a qual também contribuiu Diogo Dalot, conjugou-se com o empate trazido do País Basco (5-2 no agregado). Na segunda mão, o Manchester United atingiu os 4,02 golos esperados (métrica que mede a qualidade das oportunidades criadas e a probabilidade de resultarem em golo). Nunca antes este valor tinha sido tão elevado na era de Ruben Amorim no clube, de acordo com a contabilidade da Opta que incluiu todos os jogos que o técnico já realizou.

Além do hat-trick, Bruno Fernandes alfinetou últimos passes que melindraram a defesa da Real Sociedad. As erráticas finalizações de Rasmus Højlund e Joshua Zirkzee não ajudaram à concretização de um maior número de oportunidades. Desta vez, não foi imprescindível que o tivessem feito. Noutros casos, o centrocampista que alinhou ao lado de Casemiro teria que reclamar pela falta de ajuda que os colegas deram ao amealhar de algumas assistências.

“Ele pode trocar de posição, ele pode carregar o jogo para a frente, ele pode marcar golos, ele pode fazer transições, ele pode defender.” Bruno Fernandes é o all-around de Ruben Amorim. No dia em que o Manchester United se mudar para o estádio megalómano com 100.000 lugares que prevê construir e, talvez, se reerguer desportivamente, Bruno Fernandes devia ter uma estátua diante do edifício. Era merecido pela luz que tem dado em tempos sombrios. No caminho dos red devils na Liga Europa, segue-se o Lyon.