Ao minuto 54 do Inter Miami-FC Porto, o tempo parou e ganhou dono. Os ponteiros do relógio congelaram, como se tivessem vontade de prolongar aquele instante, não o deixar escapar. Os minutos, as horas, a rotação da terra, tornaram-se propriedade de quem ocupa os palcos do Olimpo do desporto há mais de 20 anos.

Era Lionel Messi e uma bola de futebol. Era um livre à entrada da área. Foi um toque de lendário num terreno cheio de entidades indefinidas. Generoso, Leo emprestou o seu impagável pé esquerdo a este Mundial, a esta criação desportiva que luta pela relevância. Gianni agradeceu. Implacável, o mito nascido em Rosario mostrou a quem estava do outro lado que outro futebol é possível.

Porque é até injusto comparar este FC Porto, esta equipa que não sabe o que quer, este coletivo que nuns minutos quer jogar em posse e noutros se limita a lançar atacantes no espaço, esta formação que por vezes pretende ligar apoiado e noutras se entrega ao cruzamento para a área, é até cruel comparar um FC Porto efémero a um adversário eterno. Jogam a coisas diferentes, em momentos diferentes.

Este jogo não entrará no recheado livros de proezas desportivas de Messi. Será, quanto muito, uma alínea para quem já decidiu Mundiais, Ligas dos Campeões, grandes ligas. Mas deu para ter nostalgia do presente, para admirar os relógios que param para apreciar Lionel.

O 2-1, num livre que pareceu executado com precisão de artesão, deu a vitória ao Inter Miami na segunda partida do grupo A. O FC Porto marcou primeiro, logo aos 8’, num penálti de Samu, mas sofreu o empate aos 47’ e partiu para um segundo tempo de confusão. Não sabe o que é e, com um ponto em duas jornadas, não sabe quanto tempo mais estará neste torneio que ainda não se sabe bem que vida terá.

Robbie Jay Barratt - AMA

O Mundial de Clubes bebe de diversas fontes para construir-se como entidade, como produto, como marca registada, como conteúdo, como clip viral. Uma das mais potentes é a nostalgia e, aí, o Inter Miami é rei. Olha Busquets a meter um passe interior. Veja-se Suárez a finalizar (ainda que de forma muito diferente da que estávamos habituados). Lá está Mascherano a protestar com o árbitro.

E Messi. Messi é o grande ponta-de-lança desta conquista norte-americana da FIFA, um astro com o apelo latino, um génio universal, um íman para mostrar que este produto é mesmo o maior, o mais fantástico, o mais todos os adjetivos possíveis usados por Infantino.

Messi não é só nostalgia. Ainda tem presente. Tem presente a receber e virar-se para o jogo, a ameaçar a defesa contrária, a isolar Suárez. Só que o uruguaio parece ser passado, correndo para os passes do colega como um homem que carrega um pedregulho nas costas. Quando rematou, Cláudio Ramos defendeu.

O FC Porto nem entrou especialmente bem, mas o penálti madrugador de Samu, castigando uma falta de Allen sobre João Mário, deu alguma margem aos portugueses. O primeiro tempo revelou um Anselmi muito agitado, caminhando de manga curta pela linha lateral, bebendo água e dando instruções como um nómada digital pronto para te vender o seu novo software de organização de empresas.

Depois de, diante do Palmeiras, ter atuado descaído para a direita, Fábio Vieira ganhou centralidade no plano de jogo dos azuis e brancos. Mais perto do núcleo das jogadas, deu clarividência à circulação, notando-se bastantes nas posses de bola, ao contrário do discreto Gabri Veiga, que na primeira meia-hora só tocou cinco vezes na bola, o valor mais baixo entre todos os jogadores em campo.

O gigante Mercedes-Benz, em Atlanta, tem lugar para 72 mil almas. É habitual casa da seleção de soccer dos Estados Unidos e, em nova partida da competição com mais de meio estádio vazio, teve 31.783 espetadores nas bancadas, os quais viram o FC Porto, de linhas mais recuadas, ameaçar o 2-0 perto do descanso. Aos 39’, Rodrigo Mora, sentando Busquets num duelo com duas décadas a separar os protagonistas, atirou, mas Falcon tirou o golo em cima da linha. Pouco depois, Samu, numa arrancada que pareceu um terramoto, talvez outro fenómeno da natureza a ver-se neste Mundial, ganhou espaço, mas Ustari defendeu.

O Inter Miami, clube/franchise/veículo comercial/projeto de Beckham fundado em 2018, pode parecer um Messi & amigos, um reencontro dos parceiros de Barcelona. Mas, entre o glamour, há um jovem talentoso que acaba de chegar vindo do Casa Pia. É Telasco Segovia e foi ele que, a abrir o segundo tempo, apontou o 1-1. Na génese do lance esteve Busquets e as suas elegantes fintas de corpo, fantasia inicial de desenhos de alta qualidade.

Como tudo no FC Porto é efémero, as soluções de qualidade também o são. Os momentos de posse com Vieira ao comando rapidamente acabaram. Qual é a ideia? Anselmi vende-se como um profeta do projeto e do processo, mas muda o projeto e o processo à velocidade a que faz substituições confusas.

Com os portugueses entregues ao caos, chegou o momento Messi. O momento para o tempo parar, para o eterno entrar em campo. O 2-1 foi um sonho molhado para os organizadores do Mundial e a confirmação do recomeço desastroso dos dragões, incapazes de lidarem com uma equipa que não é bem uma equipa, é mais um grupo reunido para propósitos em parte comerciais, em parte nostálgicos, em parte de entretenimento.

Na segunda parte, Anselmi largou a versão nómada digital. Era mais um instrutor de padel a quem os alunos não ligavam muito. Perante a incerteza, Martín foi colocando mais incerteza em campo, entrando na zona Gonçalo Borges, o momento em que o argentino gosta de ir ao banco lançar aleatoriedade e cruzamentos para a área.

O FC Porto raras vezes ameaçou o 2-2. Nas suas mutações de ideias, a equipa indefinida ainda lançou Otávio, que foi visto a rematar de fora da área em posição de médio-ofensivo pela direita.

O jogo acabou como tinha de acabar. Com Messi como dono da bola, a fintar, a ameaçar Claudio Ramos, Messi como senhor do jogo. Do outro lado, derrotado, em crise de identidade constante, estava uma equipa que foi inferior a uma equipa que não é bem uma equipa.