
Dos muitos defeitos que tem o Mundial de Clubes, a mixórdia de inusitados encontros não é um deles. No meio desta caldeirada, o FC Porto estreou-se com um jogo transatlântico contra o Palmeiras. O embate teve pouco de europeu e os dragões acompanharam a cadência agitada do futebol do rés-do-chão do continente americano. Mérito da equipa brasileira que sacudiu a camada de robotização que Anselmi tantas vezes luta para ter nos azuis e brancos. Talvez o FC Porto seja só uma equipa desenquadrada que perde demasiado tempo a tentar ser o que não é.
Um jogo mais sul-americano - até na linguagem corporal da rabugice com o árbitro - implica pouca ponderação em algumas decisões. Logo a abrir, Alan Varela ofereceu a Estêvão uma oportunidade para marcar que o jovem prodígio do Palmeiras, já vendido ao Chelsea, desperdiçou. Porém, do mesmo modo que surgia um erro, também se abria uma janela de oportunidade numa corrente de ar de aproximação às balizas.
Fugir do remoinho de gatafunhos físicos não era fácil só que, na sequência dos duelos, nasciam clarões apetecíveis para atacar. Reunindo jogadores capazes de funcionar em todas estas frentes - choque e clarividência pós-batalha com o adversário direto -, coisas boas aconteciam. Assim sendo, Martín Anselmi exibiu a síndrome das crianças que não conseguem esperar para brincar com um brinquedo novo. Mal teve Gabri Veiga à disposição, usou o médio que, saturado do campeonato saudita, reforçou a amplitude na posição oito dos dragões.
O Mundial de Clubes é uma espécie de pessoa que está de férias na praia, mas leva o computador porque tem que trabalhar. Este open space de workaholics é, portanto, um lugar condizente com a obsessão de Martín Anselmi pelo jogo. Teve o argentino que se empenhar em dobro, pois soltar Gabri Veiga no meio-campo foi um teste de compatibilidade com conclusões desconhecidas. O espanhol fez frequentes viagens até ao banco, para ir beber conselhos, e a verdade é que a estreia não correu nada mal.
Cláudio Ramos, sendo um jogador cujo registo biométrico já consta do controlo de entradas do Olival, também deu boa conta de si ao render o lesionado Diogo Costa na baliza. Em cima do intervalo, uma dupla defesa que anulou Estêvão e Maurício elevou-o na lista de melhores exibições vistas no MetLife Stadium, em Nova Jérsia.
No banco do Palmeiras esteve Abel Ferreira, um treinador que Portugal conheceu com menos duas Libertadores e dois campeonatos do Brasil. Houve muitos temas sobre os quais o homem da “cabeça fria e coração quente” foi questionado na antevisão, um deles o desenvolvimento precoce de Estêvão e Rodrigo Mora, ambos com 18 anos. Abel disse ser preciso que os jovens se sentissem num “parque de diversões” para que a “leveza do corpo e da mente” torne os seus gestos em algo “natural”. Assim sendo, Estêvão e Rodrigo Mora gravaram um episódio piloto de uma série sobre uma rivalidade futura que já se sabe que vai ser um sucesso.
A recuar menos do que Fábio Vieira, Rodrigo Mora ocupou uma posição mais favorável a ações criativas. Numa das clássicas diagonais, rematou junto ao poste de Weverton, o guarda-redes que aponta para o céu quando os remates à sua baliza são ineficazes. Em lances de bola parada, recurso em que o FC Porto se revelou particularmente perigoso, Zé Pedro apareceu sozinho quase fazendo com que Weverton escrevesse no livro de reclamação dos deuses. No entanto, parecia haver sempre uma divindade a cumprir o acordo.
Martim Fernandes e João Mário fizeram dupla à direita, um como defesa, outro como ala. Do mais adiantado surgiu um ataque à profundidade que terminou com a defesa do guarda-redes do Palmeiras. O mesmo indivíduo viria a negar o remate em jeito, junto ao chão, de Fábio Vieira. Não se confunda esta quantidade de oportunidades com um domínio pleno.
O Palmeiras também visitou zonas de perigo com o pé esquerdo de Joaquín Piquerez a levantar bolas altamente nocivas, mas houve resposta à altura. Cláudio Ramos teve uma noite de coroação e merecido destaque por saber ser o jogador-sombra ideal, aquele que está pronto para, a qualquer momento, fazer a apresentação do trabalho realizado nos momentos em que ninguém está a ver.
Se este jogo fosse realizado há um mês, dificilmente o FC Porto teria condições para mostrar a intensidade a que teve de recorrer perante o frenesim do embate com o Palmeiras. Além disso, a quantidade de soluções parece estar gradualmente a aumentar com a inclusão de Gabri Veiga e a afirmação de Tomás Pérez.
Nesta noite que pareceu mais de Libertadores do que de Liga dos Campeões, não dá para ter 100% a certeza se era isto que Martín Anselmi queria. Como defensor do controlo e da previsibilidade, provavelmente, ficou pouco agradado. Por outro lado, teve direito a surpreender-se com o nível de competitividade que indicia que o FC Porto andava a tentar aplicar a lição n.º 50 quando ainda não tinha assimilado a lição n.º 1.
O grupo A não podia estar mais nivelado. Em dois jogos, não foi marcado qualquer golo, pois o Inter Miami-Al Ahly e o Palmeiras-FC Porto terminaram empatados a zero. Na próxima jornada, os azuis e brancos enfrentam a equipa de Messi neste combo entre tentar esquecer uma época má e preparar a próxima.