A acusação contra o agente de jogadores Miguel Pinho que representa, entre outros, Bruno Fernandes, está alicerçada no depoimento do jogador Edgar Costa, ex-jogador do plantel principal do Marítimo, atualmente a jogar na equipa B. Num primeiro momento, o atleta declarou à Polícia Judiciária ter sido aliciado antes de um jogo Marítimo-Benfica, de 8 de maio de 2016, mas não conseguiu identificar o (alegado) intermediário. O que aconteceu na segunda ocasião em que prestou declarações.

Edgar Costa foi, inicialmente, ouvido na Polícia Judiciária do Funchal, a 6 de setembro de 2018. "Sendo-lhe perguntado se teve conhecimento, antes da data do referido jogo, de alguma oferta de dinheiro a jogadores do CS Marítimo para perderem frente ao SL Benfica, responde sim", descreve o auto de inquirição.

Explicando o contexto do que tinha acabado de afirmar, Edgar Costa acrescentou que "dois dias antes do jogo", recebeu "uma chamada anónima no seu telemóvel de um indíviduo do sexo masculino, que na altura não se identificou e cujo nome já não se recorda". Na conversa, o tal homem disse ser "empresário de futebol e que, nesse âmbito, gostava de encontrar-se consigo".

O encontro, de acordo com o mesmo depoimento, acabaria por acontecer no Hotel Pestana Casino Park, na no Funchal, estando o empresário à sua espera no "hall" de entrada. Depois de subirem a um quarto, Edgar Costa apercebeu-se que lá dentro estava outro homem, "mais velho".

Sem conseguir nomear qualquer um dos seus interlocutores, Edgar Costa referiu que ambos lhe disseram estar ali "em nome do SL Benfica" para lhe "fazer uma oferta, no valor de 30 mil euros, caso estivesse disposto a assumir uma fraca prestação" no jogo contra os "encarnados". "Bastaria jogar mal e não rematar à baliza", terá sido esta a expressão utilizada, de acordo com o depoimento de Edgar Costa. Ao mesmo tempo, foi-lhe assegurado "um novo contrato de trabalho, melhor remunerado, noutro clube".

"Estupefacto e desiludido face ao que acabara de ouvir, disse-lhes de imediato que não contassem consigo, uma vez que era e queria continuar a ser um homem livre. Na verdade, disse-lhes também que 'não aceitava a oferta, que nasceu pobre e podia morrer pobre mas nunca iria fazer uma coisa daquelas, ainda por cima ao clube que não só lhe paga o ordenado como ainda por cima é o clube do seu coração'", lê-se no auto da Polícia Judiciária. "Pensa bem", terão dito os dois interlocutores, acrescentou Edgar Costa.

Neste depoimento, Edgar Costa garantiu não ter sido contactado pelo empresário César Boaventura - já condenado em tribunal - nem pelo antigo assessor do SL Benfica Paulo Gonçalves.

O segundo depoimento

Ouvido, pela segunda vez, a 25 de junho de 2019 e já perante uma procuradora do Ministério Público (ou seja, as suas declarações poderão ser usadas num eventual julgamento), Edgar Costa não só confirmou o teor do primeiro depoimento, como, depois de ter sido confrontado com fotografias correspondentes as "hóspedes do Hotel Pestana Casino Park, na data dos factos", não hesitou em identificar o "indivíduo mais novo que o contactou": o empresário Miguel Ruben Pinho.

Foi após o primeiro depoimento de Edgar Costa que a Polícia Judiciária recolheu a lista de hóspedes do hotel nos dias que antecederam o jogo entre Marítimo e Benfica e organizou tudo num dossiê com as respetivas fotografias retiradas do arquivo de identificação civil.

Chamado a prestar declarações, a 3 de março de 2023, Miguel Pinho foi constituído arguido, precisamente sobre os factos revelados por Edgar Costa. Mas o empresário optou por não prestar declarações no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP).

Ontem, como o NOW avançou, o DCIAP acusou Miguel Pinho de um crime de corrupção desportiva ativa agravada. O Ministério Público pediu, como pena acessória, a proibição do exercício da atividade de agente desportivo e reclama ainda o pagamento de 30 mil euros.