Bem, se calhar é mesmo possível jogar de forma condizente com o talento existente, criar oportunidades, praticar um futebol fluido e alegre. Mas, por qualquer feitiço lançado a esta equipa, há a obrigatoriedade de viver sempre na aflição, no risco.

Três jogos, três vitórias, certo. Portugal quase nos quartos de final da Liga das Nações, é verdade. Mas, depois da reviravolta in extremis contra a Escócia e o sofrimento até ao fim frente à Croácia, voltaram a haver minutos de intranquilidade em Varsóvia.

Portugal jogou bem, criou chances para golear, a superioridade visitante foi inequívoca. No entanto, mesmo assim, o fantasma do empate pairou durante 10 minutos, entre os 78', quando Zielinski fez o 2-1, e os 88', quando o auto-golo de Bednarek fixou o 3-1 final.

Neste torneio encaixado num calendário à beira de explodir, neste futebol cheio de jogos de futebol que soam a supérfluos, Portugal fez novo duelo em que caminhou por cima do arame, mas desta feita com um aroma diferente: juntando Bruno e Bernardo no volante da equipa, no centro do campo, aproveitando o nível brutal de Nuno Mendes e Rafael Leão. E estreando Renato Veiga, titular no centro da defesa com uma exibição segura, e Samu Costa, que entrou já com o triunfo no bolso.

Num desafio em que a equipa de Roberto Martínez fez 18 remates, um dos primeiros a ameaçar foi Rúben Neves, com um cabeceamento às malhas laterais. O médio não marcou, aproximando-se de um registo histórico: vai em 53 internacionalizações A por Portugal sem qualquer golo marcado. O jogador de campo da história da seleção que tem mais internacionalizações sem nunca ter feito um golo é Paulo Ferreira, com 62 encontros realizados sem um único festejo.

Ronaldo e Lewandowski, encontro de goleadores lendários
Ronaldo e Lewandowski, encontro de goleadores lendários NurPhoto/Getty

Cedo se percebeu que a noite seria de domínio da equipa de Roberto Martínez. Além de Neves, também Ronaldo, com um remate à barra, Dalot, com um disparo para defesa de Skorupski, ou Bruno Fernandes, que proporcionou a parada do serão ao guarda-redes, estiveram perto do 1-0.

Na sequência do desperdício, veio o 1-0. O trio de médio de Portugal conectou-se, provando que a ligação entre os futebolistas inteligentes é sempre possível, mesmo que à distância. Rúben Neves lançou Bruno Fernandes, que estava perto da baliza mas longe do golo, dado que se encontrava de costas para o guarda-redes. O capitão do United deu de cabeça para Bernardo Silva, que inaugurou o marcador.

A vantagem não tirou ímpeto ofensivo a Portugal. Pelo contrário, soltou as correrias de Rafael Leão, um sprinter driblador, um atacante que, quando acelera, parece que vai sair do campo, começar a galgar as bancadas, entrar em órbita. Chega a dar a ideia de ser um adulto a jogar contra crianças.

Aos 37', uma cavalgada de Rafael Leão fez o extremo do Milan superar quatro defesas, ameaçando abrir uma cratera no relvado de Varsóvia. Isolado, o corredor atirou ao poste, aproveitando Cristiano Ronaldo para, na recarga, atirar para uma baliza deserta e apontar o 133.º golo pela seleção nacional.

No recomeço, Portugal continuou muito superior à Polónia. Na equipa da casa, Lewandowski parecia um professor resignado com a falta de nível dos seus pupilos, um avançado isolado da equipa, partilhando camisola com futebolistas de nível incrivelmente inferior ao seu.

MIGUEL A. LOPES

Com Nuno Mendes em modo jogador universal, defendendo e atacando, cortando e criando, os visitantes foram desperdiçando oportunidades. Bruno Fernandes falhou, por duas vezes, o 3-0, primeiro atirando sem direção após passe altruísta de Ronaldo, depois permitindo a defesa a Skorupski num lance em que Rafael Leão pareceu dar a volta ao mundo a fintar polacos antes de assistir o seu companheiro.

Renato Veiga nem tem jogado recentemente a central, mas mostrou-se bastante sólido em Varsóvia. Aos 63', Martínez tirou Ronaldo e Leão, entrando Diogo Jota e Trincão, que somou uma internacionalização pela primeira vez desde setembro de 2021. Aquando da saída do capitão, deu-se o recorrente circo de uma invasão de campo.

Após o desperdício, chegou a pior fase da equipa nacional. Como que viciada no sofrimento, Portugal foi da hipótese de golear para a certeza de ter minutos de dúvida no marcador. Já na sequência de um lance que fez lembrar o fatídico golo sofrido contra Marrocos no Mundial 2022, com Lewandowski erguendo-se entre Diogo Costa e Rúben Dias e quase marcando, Zielinski fez o 2-1 aos 78'.

Os polacos entusiasmaram-se, parecendo, por alguns minutos, julgar que tinham ali uma seleção de nível e não um pobre coletivo. Viciada nestas decisões in extremis, a equipa de Martínez tentou proteger-se, entrando Semedo para o lugar de Pedro Neto.

Na ânsia de tentar o 2-2, a Polónia desprotegeu-se. Nuno Mendes aproveitou para avançar pela esquerda, tentando assistir um companheiro pela enésima vez. Bednarek, tentando evitar a finalização de Diogo Jota, fez um auto-golo que fechou o resultado.

Fim da conhecida intranquilidade. Os quartos de final estão mesmo já ali, como era natural tendo em conta a qualidade deste grupo de quatro em que passam os dois primeiros. Mas, se é para sofrer, que seja porque se desfrutou antes, como Portugal fez na Polónia.