Houvesse uma ínfima pitada de dúvida, os primeiros gestos do jogo trataram de a afugentar. Portugal marcou em três dos quatro ataques inaugurais, um deles com Kiko Costa simplesmente a correr em linha reta rumo à área de sete metros face à autoestrada aberta e rematar. Por contraste, os frágeis chilenos nem um remate lograram armar no primeiro trio de tentativas ofensivas. Havia uma frecha a separar as duas seleções, não a galáxia de diferenças sugerida pela classificação do grupo da main round, mas uma considerável distância entre realidades díspares.

As três derrotas em tantos jogos do Chile, com um registo de -42 golos, eram abissais face ao singelo ponto de que Portugal necessitava para garantir que passaria aos quartos de final na liderança do lote. Os sul-americanos eram mais pequenos em estatura como o eram nos passos galgados no andebol: estavam nesta fase de um Mundial pela primeira vez, regozijados com a sua história, tendo como derradeiro adversário no torneio quem, no mínimo, irá sair do torneio no oitavo lugar. Com as suas armas, os chilenos tinham feito o que podiam; armados cada vez mais até aos dentes, ninguém sabia ao certo o que os portugueses poderão fazer daqui para a frente.

Este jogo, à partida, seria o que acabou por ser. A seleção nacional apenas deixou a vantagem encolher mais do que três golos ao 25.º minuto, já depois de Victor Iturriza ou Ricardo Brandão estarem dois minutos de fora. Aí, de imediato, Paulo Jorge Pereira pediu um desconto de tempo para ajustes e pormenores, clamando por “mais intensidade”. De facto, apenas uma brandura no ritmo de jogo parecia impedir Portugal de desmantelar um adversário tão permeável.

Beate Oma Dahle

Muitos golos marcou a seleção a ser repentista logo após o sofrer, com os jogadores a serem relâmpagos nas reposições de bola e a castigarem o Chile como há poucos anos se via Suécias, Noruegas ou Dinamarcas apunhalaram Portugal no capítulo da rapidez. Na baliza, Diogo Rêma tratou de ser um albatroz, abrindo os membros perante os adversários nos raros remates que os chilenos tiveram mesmo nas suas barbas. A irmandade Costa disparava golos nas ocasiões em que apareciam em campo, embora mais esparsas: por muito que o selecionador nacional quisesse as antenas sintonizadas só neste encontro, não significava que as dele não tivessem que cuidar das energias e cansaços dos jogadores.

Depois deste evento na agenda, viriam os quartos de final. Havendo possibilidade, era prudente economizar esforços. Ao intervalo, Portugal vencia por 22-17.

O reinício da seleção nacional não foi famoso. Houve desatenções no início de uns quantos ataques do Chile, quando os portugueses pensaram estar à espera das investidas e os adversários colocaram passes sorrateiros no pivô, Esteban Salinas. Em conjunto com o Erwin Feuchtmann, lateral dos franceses do Toulouse e a maior ameaça, eram os braços temíveis dos sul-americanos. Iturriza seria excluído novamente. Mas, ainda antes de a segunda parte chegar a meio, a fatura de confiar sempre nos mesmos - e do melhor desses ser parco - começou a fustigar a capacidade de reação dos chilenos.

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E Portugal zarpou por ali fora. Viu-se a alavanca esquerda de Kiko Costa a marcar numa jogada aérea, apareceram os menos utilizados no Mundial na lista de anotadores (João Gomes, Miguel Oliveira ou Ricardo Brandão) e, às tantas, os golos em contra-ataque eram a regra, vindos de erros técnicos dos adversários. A teimosa vantagem de três, quatro golos, virou comilona e engordou para lá da dezena. À exceção do titânico Luís Frade, utilizado sem parcimónia nos jogos anteriores, todos os portugueses tiveram minutos em campo.

O aquecimento de Portugal para os inéditos quartos de final terminaria com 46 marcados, mais 18 do que o Chile, uma barrigada expectável que nem por isso desmotivou os jogadores a celebrarem no campo, pulando e gritando. Podem estar invictos na meia dúzia de partidas que levam neste Mundial, só por si já um feito descomunal, mas nada encaram como garantido. Não superaram o registo da Dinamarca num jogo da fase de grupos, sim ultrapassaram os 44 golos que a Croácia fez passar por Cabo Verde já nesta main round.

A valência da seleção também será germinada desta consciência de que nada ainda foi feito. O cortejo seguinte à história será na quarta-feira (19h30, RTP2), quando os Heróis do Mar discutirem o acesso às meias-finais do torneio contra a Alemanha.