Quando o Manchester City começou a alambazar-se de títulos, Pep Guardiola foi condenado a responder a múltiplas questões sobre a maneira como o cansaço de ganhar podia afetar a ambição da equipa, comprometendo conquistas futuras que fariam deslizar os padrões de qualidade de um clube moldado para a excelência. A suposta fadiga de vitória era imposta aos cityzens em doses progressivamente crescentes a cada Premier League conquistada e atingiu níveis cavalares com o treble de 2023.
Por coincidência ou não, o Manchester City atravessa um dos momentos mais negativos desde que o dinheiro do Médio Oriente agigantou o clube. O próprio Pep Guardiola na majestosa carreira nunca soube o que era, de uma assentada, perder tantos jogos consecutivos. O desaire contra a Juventus (2-0), na Liga dos Campeões, dilatou para sete o número de derrotas nos últimos dez jogos e salgou ainda mais a fase negativa.
O efeito placebo é a técnica usada para solucionar um ligeiro problema de saúde apenas com maroscas mentais. Recorre-se a ele, por exemplo, quando um médico indica ao paciente que deve tomar um comprimido sem lhe dizer que o fármaco tem um efeito inócuo e serve apenas para reduzir a ansiedade do utente desejoso por uma solução rápida. O que o Manchester City está a viver é o inverso: até aqui, sempre esteve livre da fadiga de vitória, mas, por tanto a mencionarem, o intelecto sentiu-se convidado a resvalar para tamanha encruzilhada.
Desde o início de novembro, o Manchester City foi a equipa dos cinco maiores campeonatos europeus que mais golos sofreu em todas as competições (21 em nove jogos, segundo um levantamento feito pela Opta). “Estás a falar com um dos jogadores de uma das equipas no mundo que mais ganhou nos últimos anos.” Este é um assunto que mexe particularmente com Rúben Dias, mesmo que Guardiola tenha remendos a fazer da defesa ao ataque. Foi neste tom que o internacional português, com firmeza e sobrancelha erguida, se dirigiu ao jornalista do Viaplay. “Temos de ter a certeza de como lidar com isto.”
Nas cinco temporadas que leva em Inglaterra, Ruben Dias ganhou 75% dos jogos em que participou. Desde o dia 30 de outubro, o Manchester City venceu apenas 10% (portanto, um) dos encontros a açambarcarem-lhe a agenda. Há uma clara desadequação entre aquilo a que o plantel está habituado e o momento atual, sendo que talvez aí se encontre um dos motivos para estar a ser tão difícil sair dele.
Capacidade de adaptação ainda é uma característica que assiste à espécie humana e o convívio com o insucesso molda até as mentalidades mais ganhadoras. “A não vitória ensina-te, mais do que nunca, a seres quem tu és, a seres forte nos momentos difíceis.” Aos microfones da TNT Sports, após a derrota contra a Juventus - a sétima nos últimos 10 jogos -, Rúben Dias moderou a impetuosidade do discurso, resultado de uma reflexão mais fria sobre o assunto que ainda não havia tido tempo de fazer até ao passado fim de semana.
“Vejo um jogador como sendo bom ou não nestes momentos. Na dificuldade é que se vê a capacidade que ele tem de se manter firme, mesmo quando parece que está a levar socos de todo o lado”, continuou. “Talvez este seja um desses momentos, um momento de me manter firme, de olhar em frente, trazer essa positividade. Temos que olhar para a frente, sermos bons, porque se formos a nossa melhor versão, dificilmente alguém nos ganha.”
Quando ainda lhe falta medir forças com Paris Saint-Germain e Club Brugge, o Manchester City está em risco de não terminar nos 24 primeiros lugares da fase de liga da Champions, algo que afastaria os cityzens de continuarem a discutir o troféu que venceram em 2022/23. No campeonato, o cenário agravou-se com a cedência de três pontos ao Liverpool. Agora, segue-se o dérbi com o Manchester United de Rúben Amorim.
“As pessoas gostam de esquecer, ignorar e passar à frente [os sucessos anteriores] para apanharem a próxima oportunidade para te verem cair. Temos que aceitar que o jogo se joga assim”, disse Rúben Dias. Mesmo que seja uma “conquista” que toda a gente “espere que as coisas corram mal” ao Manchester City, a equipa tem algo a salvaguardar. “Mais do que qualquer coisa, é defender quem nós somos como pessoas, como jogadores, individualmente e coletivamente. Temos que proteger isso com orgulho e não ficarmos ofendidos.” A razão acaba de incorporar um central que moderou o discurso para todos entenderem que nenhuma equipa é de ferro.