Portugal tem cerca de 40 mil empresas exportadoras, mas só uma em cada dez desenvolve tecnologia própria. Ora este "défice de autonomia tecnológica" limita o valor acrescentado das exportações e "reduz o poder de diferenciação das empresas nos mercados externos". O diagnóstico é feito pela COTEC Portugal, a principal associação empresarial portuguesa dedicada à promoção da inovação e cooperação tecnológica empresarial, que há mais de 20 anos trabalha na antecipação e reflexão sobre temas-chave da inovação com impacto na competitividade das empresas, na ativação de plataformas e redes colaborativas e a contribuir para a melhoria de políticas públicas em matérias de inovação.

É precisamente para promover o ecossistema de inovação empresarial, "corrigindo défices estruturais e promovendo uma base empresarial mais robusta, inovadora e colaborativa", que Jorge Portugal tem trabalhado. Em conversa com o SAPO, o homem que leva as estratégias da COTEC Portugal por diante há uma década explica como algumas iniciativas levadas a cabo pela associação têm sido transformadoras do tecido económico, destacando os resultados do Estatuto Inovadora e Inovadora Evolution. "Desenvolvidas pela COTEC em conjunto com o setor bancário, permitiram identificar mais de 1800 empresas inovadoras, representando já em 2023 cerca de 30% de todo o investimento empresarial em Investigação & Desenvolvimento (I&D), ou seja, cerca de 800 milhões de euros."

Jorge Portugal
Jorge Portugal Diretor-geral da COTEC Portugal créditos: DR

Num país onde a inovação tantas vezes se perde entre intenções declaradas e a crueza da estatística, a COTEC vai erguendo, quase em silêncio, uma infraestrutura invisível mas decisiva para a competitividade da economia portuguesa. A associação liderada por empresas, mas com pontes sólidas ao setor público, tem vindo a construir uma agenda coerente para o reforço do que chama “capital de inovação empresarial”, trabalhando em sete frentes de combate com a ambição de "transformar conhecimento em crescimento", combatendo défices estruturais de financiamento, de talento, de ligação à academia e até de visão territorial. Capital financeiro, humano, territorial, de ideias, colaboração, inteligência coletiva e acompanhamento de políticas públicas são as grandes áreas identificadas e que Jorge Portugal explica como a COTEC Portugal está a trabalhar para mudar o paradigma da inovação no país.

Atacar a crónica anemia do investimento e ter doutorados onde eles contam

Num ecossistema empresarial que ainda resiste à aposta séria em I&D, a COTEC foi à raiz: o dinheiro — ou antes, a ausência dele —, impulsionando "novas soluções de financiamento para atividades de Investigação e Desenvolvimento, através da caracterização do tecido de empresas inovadoras e assim apoiar o lançamento de instrumentos financeiros inovadores e do reforço da articulação com o sistema bancário e o Banco Português de Fomento (BPF)", explica Jorge Portugal. Porque inovação sem financiamento não passa de uma miragem, além de identificar as empresas inovadoras com os programas a referidos, a COTEC Portugal lançou pontes entre bancos e empresas, que se traduzem em "linhas de crédito com garantia para projetos de inovação de PME e empresas de dimensão intermédia, desenvolveu mecanismos de mitigação de risco tecnológico e empenhou-se na articulação entre garantias públicas e fundos privados para alavancar investimento em I&D e inovação". Instrumentos que compõem um arsenal financeiro que visa quebrar o círculo vicioso da "subcapitalização crónica da inovação, numa economia onde o financiamento ao investimento à inovação é ainda residual no total do financiamento do investimento empresarial", vinca Jorge Portugal.

Por outro lado, não basta garantir o financiamento, é preciso assegurar que as empresas estão bem servidas de quem possa trabalhar bem a inovação, de forma a criar valor acrescentado e potenciar a mais-valia exportadora. Se a mais bem preparada geração de sempre não fica em Portugal, o país não consegue tirar partido do talento científico de excelência que forma todos os anos. O capital humano perde-se — para o estrangeiro ou para a inércia.

"A realidade mostra que apenas 18% das empresas inovadoras em Portugal têm doutorados nos seus quadros, o que evidencia o enorme potencial de crescimento deste eixo", considera o diretor-geral da COTEC Portugal. "A cooperação com universidades é igualmente limitada: só 7% das empresas inovadoras mantêm colaborações sistemáticas com instituições científicas e tecnológicas." A resposta da COTEC? Aproximar Academia e empresas, em modelos de qualificação avançada em contexto empresarial. Para garantir resultados, além de sessões de sensibilização junto das empresas, em parceria com a FCT, a COTEC criou no ano passado uma plataforma para fazer matching entre 100 empresas e 100 doutorados, promovendo a ligação entre ciência e mercado.

"A aproximação da COTEC à Academia e ao sistema científico tem vindo a ser reforçada com a adesão do Instituto Politécnico de Leiria e do Politécnico do Porto, as duas maiores instituições de Ensino Superior Politécnico e das universidades de Coimbra e Católica", aponta ainda Jorge Portugal, destacando o papel do "D100-E100 (100 doutorados em 100 empresas) na ligação entre as empresas com problemas de investigação, o talento e o sistema científico".

Capital territorial e de ideias para esbater assimetrias

Num país de reduzida dimensão, paradoxalmente a desigualdade no desenvolvimento continua a ser um tema e as diferenças têm-se agravado, com a falta de coesão territorial a gerar duas velocidades: Lisboa e Porto são os vértices visíveis da inovação e o resto do país espera por desenvolvimento. Ora a inovação é uma via rápida para a progressão nestas áreas mais ou menos esquecidas do território — pelo que a COTEC quer que as autarquias deixem de ser meras espectadoras e passem a ser plataformas de inovação aberta.

"Contrariar a assimetria territorial no investimento em inovação, reforçando o papel dos territórios como plataformas de inovação aberta e
colaboração interinstitucional" é um objetivo que explica o trabalho que a COTEC Portugal tem vindo a prosseguir com autarquias e comunidades intermunicipais (CIM). "Esta abordagem resultou na adesão da primeira autarquia à COTEC e em projetos com a CIM do Cávado e a região de Leiria e Oeste, sobre a qual foi desenvolvido um estudo de competitividade com cenários prospetivos", explica ainda o responsável, apontando a necessidade de cada vez mais "conceber e implementar estratégias locais de atração de investimento empresarial inovador, estruturar ecossistemas de inovação em torno de competências territoriais específicas e formar quadros municipais na gestão de projetos de inovação e clusters empresariais".

É um movimento que aponta para uma visão mais descentralizada — e inteligente — da política de inovação. Mas se o território é um fator a enfrentar, é fundamental captar o capital das ideias. E nesta área, há uma aptidão natural que Portugal tem descurado: temos muito talento em ciências da vida, falta-nos escala e visão comercial. Como resolver esta dicotomia? Para a COTEC, a resposta está no desenvolvimento de iniciativas de aceleração de startups tecnológicas na saúde e biotecnologia, mas também na criação de programas de mentoria empresarial e ligação ao capital de risco e na capacidade de escalar empresas de base científica.

São passos que a COTEC está a dar de forma a relançar a ambição e dar um salto qualitativo para a valorização comercial do conhecimento académico. "Este programa assentará nas entidades existentes do ecossistema empreendedor, dando seguimento ao programa COHITEC, iniciativa pioneira de valorização do conhecimento académico", concretiza Jorge Portugal. "Este setor é particularmente estratégico e o sistema científico nacional tem produzido um acervo muito relevante de investigação ainda com baixo nível de valorização comercial, com potencial de posicionamento global para Portugal, beneficiando da confluência entre conhecimento clínico, investigação aplicada e talento empresarial emergente", justifica. O objetivo é claro: transformar investigação de ponta em produtos, empresas e exportações, globalizando a ciência nacional.

Encontro COTEC
Encontro COTEC Os presidentes de Itália, Sergio Mattarella, e Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, e o Rei de Espanha, Felipe VI, os presidentes honorários da COTEC Itália, Portugal e Espanha créditos: Lusa

Colaboração a todos os níveis: eixo ibero-italiano de inovação, políticas públicas coerentes e aprender com quem já faz

É precisamente nesta lógica de ganhar escala para as empresas inovadoras que a associação tem ainda uma mais-valia de peso: a plataforma COTEC, que junta Portugal, Espanha e Itália. Mas como aproveitar esse potencial em pleno? Para Jorge Portugal, dar esse passo era fundamental para cumprir o desígnio de dar mais força às PME inovadoras e para isso foi firmado um protocolo à medida no último encontro COTEC Europa: um projeto discreto mas com potencial estratégico que se materializa numa plataforma trilateral de cooperação tecnológica Lisboa, Madrid e Roma, juntando empresas líderes, universidades e organismos públicos de apoio à inovação dos três países, numa lógica de partilha de boas práticas e desenvolvimento conjunto de tecnologias avançadas.

É a diplomacia económica ao serviço da inovação, uma tentativa de afirmar o sul da Europa como um polo relevante no mapa da competitividade tecnológica europeia. "Não substituindo outras plataformas colaborativas já existentes, a plataforma trilateral promoverá projetos conjuntos e partilha de boas práticas em tecnologias avançadas", explica o diretor-geral, apontando este instrumento como ferramenta de cooperação entre empresas dos países COTEC, diplomacia económica e de "reforço do capital relacional do sul da Europa em
inovação".

Ciente de que Portugal tem cerca de 40 mil empresas exportadoras, mas apenas 10% desenvolvem tecnologia própria, o que resulta num "défice de autonomia tecnológica que limita o valor acrescentado das exportações e reduz o poder de diferenciação das empresas nos mercados externos", Jorge Portugal destaca ainda a relevância da relação com a ANI, o IAPMEI e a AICEP, associados COTEC. Com voz firme mas colaborativa, a associação acaba por posicionar-se como uma espécie de coprodutora de políticas públicas, assumindo um papel ativo na sua condução para resultados concretos.

Por fim, a COTEC aposta no menos visível mas essencial: a aprendizagem entre pares. Através de plataformas peer-to-peer, que visam partilhar experiências e soluções entre associados; da atribuição de prémios como o COTEC PME Inovação e o Inovação na Internacionalização, vão ganhando tração e visibilidade as melhores práticas e os modelos de excelência, potenciando um contágio positivo. Nessa mesma lógica, a associação está a lançar o novo prémio Inovação para a Sustentabilidade e tem dado gás aos Business Open Days: empresas inovadoras que abrem portas a outros empresários, investigadores e decisores para mostrar a inovação em ação, promovendo "uma cultura de benchmarking, transparência e melhoria contínua". O objetivo é a "inteligência coletiva", ou seja, elevar o mínimo aceitável da inovação empresarial em Portugal, contribuindo para formar melhores executivos e orientando as organizações para resultados de inovação com mais-valia e ADN exportador.

"Este quadro de intervenção da COTEC reflete um esforço coerente de criação de um capital de inovação sistémico, envolvendo o tecido empresarial, a academia, as instituições financeiras, os territórios e os decisores públicos", explica Jorge Portugal ao SAPO, apontando a missão assumida: "criar as condições para que mais empresas portuguesas consigam transformar conhecimento em crescimento sustentável e competitivo".