Na vida de um empreendedor, que criou o seu negócio de raiz, acaba sempre por chegar a hora de tomar a difícil decisão: abro as portas da empresa ao mercado internacional, ou mantenho-me pequeno e sem dores de crescimento? A decisão pode não parecer a mais fácil, mas limitar o crescimento de um negócio pode também ditar o início do fim do mesmo. Ou não.

Por vezes a razão do sucesso de um negócio pode ser mesmo o facto de se manter local. No site do AICEP pode ler-se, relativamente ao tema internacionalização, que há, de facto, situações em que a internacionalização não faz sentido, ou porque não há capital disponível ou porque, simplesmente, não se quer escalar o negócio além do mercado doméstico, tendo encontrado outras formas de crescimento que satisfaçam esses objetivos. E dá um exemplo representativo: o caso dos pastéis de Belém. Sendo este doce uma marca característica da cidade de Lisboa, aparentemente os donos teriam uma grande oportunidade de internacionalizar o negócio, fosse através de franchising, de venda do produto congelado, entre outras formas. Mas essa estratégia implicaria uma perda da exclusividade associada à loja de Belém, pelo que a empresa optou por não se internacionalizar. E, de facto, todas as estratégias são válidas, desde que cumpram os objetivos delineados pela empresa.

Porém, de uma forma geral, os negócios precisam crescer para sobreviver. Segundo a especialista Paula Hespanhol, da direção da Associação Nacional das Pequenas e Médias Empresas (ANPME), “A internacionalização das PME portuguesas deixou de ser uma estratégia opcional para se tornar uma necessidade”. E acrescenta:” Num mercado global em constante mutação, onde a concorrência é feroz e os ciclos económicos são cada vez mais voláteis, a capacidade de olhar para lá das fronteiras nacionais é, hoje, um dos principais fatores de sobrevivência e de crescimento”.

Paula Hespanhol é especialista na ANPME. Foto/DR

E a necessidade dos negócios se internacionalizarem não é, obviamente, uma questão nacional. Um estudo da consultora Forvis Mazars, revela que os executivos de topo no mundo inteiro têm grande ambições no que diz respeito à expansão internacional. Ou seja, esta expansão é uma prioridade estratégica para um quarto dos líderes inquiridos neste estudo e uma grande maioria, cerca de 83%, já tem planos para começar a operar num ou mais novos países nos próximos cinco anos. ​Esta consultora refere ainda que os Estados Unidos, a Alemanha, o Reino Unido, a China e o Canadá são os principais países target para a expansão destes empresários. Seja pequena, média, ou grande empresa, a conquista de novos mercados é fundamental para atingir patamares estratégicos bem definidos.

“A internacionalização das PME portuguesas deixou de ser uma estratégia opcional para se tornar uma necessidade”, diz Paula Hespanhol, especialista da direção da ANPME.

Também Filipe Bargaña, da Audaz Capital, empresa especialista em investimentos empresariais, defende que “A internacionalização das PME portuguesas continua a ser uma via essencial para garantir escala, sustentabilidade e competitividade num contexto em que o mercado interno, por si só, é muitas vezes limitado para suportar o crescimento a longo prazo”.

Porém, para iniciar um processo de internacionalização é necessário definir com precisão qual o caminho a seguir. Internacionalizar não é apenas exportar, ainda que esta seja a vertente mais reconhecida. Internacionalizar passa também por realizar parcerias, ou optar por um modelo de fusões ou aquisições nos mercados onde se pretende estar presente.

Exportar, o modelo mais usado na internacionalização

Mas foquemo-nos, para já, nas exportações, o principal modo de alargar fronteiras. De facto, segundo o fundador da Audaz Capital, nos últimos anos, Portugal tem vindo a consolidar a sua presença internacional, com exportações a representar cerca de 50% do PIB – um número notável para uma economia desta dimensão. As exportações de bens e serviços são, aliás, o grande motor da economia nacional. Em 2023, segundo os dados do INE, as exportações globais atingiram os 126,6 mil milhões de euros, o que representou um crescimento de 4,9% face a 2022. Já a exportações de bens cresceram a um ritmo menor: em 2023, estas atingiram os 77,3 mil milhões de euros e em 2024 atingiram quase os 80 mil milhões de euros, num crescimento de 2,5%.

Porém, como ressalva Filipe Bargaña, uma parte significativa das exportações nacionais está ainda muito concentrada num número pequeno de grandes empresas. “Muitas PME continuam a operar apenas em território nacional ou a exportar pontualmente, sem uma verdadeira estratégia de expansão internacional. O retrato atual é, assim, o de um tecido empresarial com grande potencial por explorar e com um crescente interesse estratégico na internacionalização, embora ainda marcado por assimetrias em termos de preparação e acesso a meios”, refere.

Filipe Bargaña é fundador da Audaz Capital. Foto/Dr

Os dados recolhidos pela Informa DB no estudo “As Empresas Exportadoras em Portugal”, mostram que as empresas nacionais que exportavam, em 2022, atingiam as 40 mil e representavam 40% PIB nacional. Foram incluídas neste universo empresas que venderam para o mercado externo pelo menos de 5% do seu volume de negócios ou mais de um milhão de euros, excluindo offshores. Este número evoluiu de uma base de 29.544 em 2012, o que representou um acréscimo superior a 10 mil novas sociedades exportadoras nestes dez anos. Olhando para os setores de atividade, as empresas industriais representavam 23% do total, os serviços empresariais 18% e as empresas grossistas 16. As empresas de TIC, que geralmente são de menor dimensão, representavam 11% do total, mas são também as que têm uma maior taxa de exportadoras, atingindo os 28%. Olhando para o volume de negócios total, a indústria representa 52% do total das exportações nacionais e a atividade grossista 13%, seguida dos transportes, com 9%. O Norte continua a ser a região com mais peso nas exportações nacionais, ao deter 43% das empresas nacionais que exportam.

“Muitas PME continuam a operar apenas em território nacional ou a exportar pontualmente, sem uma verdadeira estratégia de expansão internacional”, diz Filipe Bargaña, da Audaz Capital.

Segundo a análise da Informa DB é certo que “a diversificação de geografias aumenta as oportunidades de negócios e das vendas, permitindo atingir maior competitividade através de economias de escala, desde logo em países com um mercado interno reduzido como o nosso, ao mesmo tempo que diminui o risco de dependência de um único mercado. Face às outras empresas, os indicadores das exportadoras mostram que os negócios com outros países induzem o seu maior crescimento, a sua solidez e resiliência financeira”. Nota-se, por exemplo, através deste estudo, que ainda assim as empresas nacionais preferem arriscar em territórios de proximidade e com menor risco, pois 69% das exportações nacionais em valor são canalizadas para o mercado comunitário.

Porém, Paula Hespanhol acrescenta, a propósito, que apesar dos desafios dos últimos anos, desde a pandemia até à instabilidade geopolítica, as exportações portuguesas têm demonstrado uma notável resiliência. E refere que “Qualitativamente, se observa uma crescente sofisticação nos processos de internacionalização. As empresas estão mais preparadas, investem em capacitação e procuram apoio especializado. Há também uma mudança de mentalidade: o foco já não está apenas nos mercados tradicionais europeus, mas também nos EUA, na América Latina, no Médio Oriente e em África”.

As vantagens e as barreiras ao diversificar mercados

“Diversificar mercados é, acima de tudo, uma estratégia de proteção e de crescimento. Ao atuar em diferentes geografias, a empresa reduz a sua dependência de um único mercado – e com isso mitiga riscos políticos, económicos ou sectoriais que possam surgir localmente”, explica Filipe Bargaña. Além disso, refere, a exposição a diferentes ambientes competitivos obriga a empresa a inovar, a adaptar-se e a evoluir. “Esta aprendizagem cruzada traduz-se, muitas vezes, em melhorias operacionais que acabam por beneficiar também o desempenho no mercado doméstico. A diversificação permite ainda uma gestão mais equilibrada dos ciclos económicos, compensando eventuais quebras num país com oportunidades noutros”, remata o especialista.

“Barreiras alfandegárias, diferenças culturais, requisitos legais complexos, volatilidade cambial e riscos logísticos são apenas alguns dos obstáculos. A estes juntam-se os desafios internos: falta de capital, desconhecimento dos mercados e ausência de uma estratégia robusta”, enumera Paula Hespanhol.

Segundo a página de internet do AICEP – contactado pela Forbes Portugal, o organismo não mostrou disponível para responder atempadamente às nossas questões -, a aposta estratégica na internacionalização obrigará alterações profundas na empresa, sejam de ordem financeira, sejam ao nível dos recursos humanos, no controlo de gestão e no marketing. Ou seja, é uma viagem sem retorno: a partir do momento em que a empresa envereda por este caminho, corra bem ou corra mal, nunca mais será a mesma.

Os processos de globalização impõem às empresas uma exigência adicional, alerta Filipe Bargaña. Para este especialista não basta replicar o que funciona em Portugal, é necessário entender profundamente a cultura de consumo, a regulação e a concorrência local.” As PME que não investem nessa preparação acabam, muitas vezes, por desistir da internacionalização após uma primeira experiência frustrante”, afirma.

E Paula Hespanol concorda, alertando que o caminho da internacionalização está longe de ser linear. “Barreiras alfandegárias, diferenças culturais, requisitos legais complexos, volatilidade cambial e riscos logísticos são apenas alguns dos obstáculos. A estes juntam-se os desafios internos: falta de capital, desconhecimento dos mercados e ausência de uma estratégia robusta”, enumera. Além disso, a pressão para adaptar produtos, marcas e serviços à realidade local exige uma agilidade que nem todas as PME estão preparadas para assumir. É necessário para isso apoio nas tomadas de decisão, e sobretudo escolher qual o modelo em que pretendem avançar com este processo.

Parcerias com distribuidores locais são úteis para empresas que pretendem testar o mercado sem compromissos de longo prazo. Em contextos mais exigentes, joint-ventures oferecem vantagens claras: permitem partilhar risco, ganhar conhecimento local e acelerar o acesso a canais de distribuição.

“Entre as barreiras mais comuns estão o desconhecimento dos mercados-alvo, a escassez de talento com experiência internacional, os custos iniciais de adaptação (legal, fiscal, logística) e as dificuldades em construir uma rede de parceiros locais fiável”, acrescenta ainda Filipe Bargaña. Além disso, no que diz respeito às exportações, surgem ainda desafios relacionados com métodos de pagamento, prazos de entrega e gestão de stock.

Modelos de sucesso para a internacionalização: Existem ou não?

Não, não existe uma fórmula mágica para um processo de internacionalização. Os especialistas estão de acordo nesta questão. Existem sim modelos que funcionam melhor consoante o setor, a maturidade da empresa e o mercado de destino. “Joint-ventures e parcerias locais são frequentemente utilizadas em mercados com fortes barreiras à entrada, como alguns países asiáticos. Em contrapartida, o e-commerce permite uma entrada direta e mais ágil noutros mercados, sem necessidade de presença física”, explica Paula Hespanhol. Para ela, sistemas de franchising, licenciamento, fusões ou aquisições são também estratégias válidas, mas exigem maior estrutura e investimento. “O fundamental é avaliar bem o risco, a escalabilidade e o grau de controlo desejado”, acrescenta.

Para Filipe Bargaña, as exportações diretas funcionam bem em mercados próximos, com poucas barreiras regulatórias. “Parcerias com distribuidores locais são úteis para empresas que pretendem testar o mercado sem compromissos de longo prazo. Em contextos mais exigentes, joint-ventures oferecem vantagens claras: permitem partilhar risco, ganhar conhecimento local e acelerar o acesso a canais de distribuição. Fusões e aquisições, por sua vez, fazem sentido para empresas com músculo financeiro e ambição de crescimento rápido”, explica. E remata: em todos os casos, o fator crítico de sucesso é o alinhamento estratégico com os parceiros locais e a adaptação da proposta de valor ao contexto do mercado-alvo.

“A tecnologia está a democratizar a internacionalização”, refere o CEO da Audaz Capital. E explica que hoje, uma PME pode testar mercados através do e-commerce sem necessidade de infraestruturas físicas no exterior.

De facto, a tecnologia, aliada também ao desafio da pandemia, veio dar um empurrão nas vendas internacionais de muitas empresas, portuguesas e não só. Segundo os dados do barómetro dos CTT sobre o e-commerce na pandemia, o número de empresas nacionais a vender online terá aumentado mais de 90%. O e-commerce está em grande crescimento no mundo as tendências apontam para que, em 2040, cerca de 95% das compras sejam feitas através do comércio eletrónico, representando isto uma oportunidade única para as empresas nacionais.

“A transformação digital tem sido um enorme aliado dos processos de internacionalização. O e-commerce global, plataformas B2B, marketing digital, análise de dados e CRM permitem uma abordagem mais eficaz e segmentada. As fintechs estão a revolucionar os meios de pagamento e a gestão de risco cambial, enquanto a logística inteligente permite uma cadeia de fornecimento mais eficiente e transparente”, explica Paula Hespanhol. Revela ainda que estudos recentes indicam que empresas com forte maturidade digital têm uma probabilidade 2,5 vezes maior de alcançar sucesso internacional.

“A tecnologia está a democratizar a internacionalização”, refere o CEO da Audaz Capital. E explica que hoje, uma PME pode testar mercados através do e-commerce sem necessidade de infraestruturas físicas no exterior. Plataformas como a Amazon, a Shopify ou marketplaces regionais permitem atingir consumidores em dezenas de países com um investimento inicial relativamente baixo.

Refere ainda que na logística, soluções baseadas em Inteligência Artificial e big data permitem gerir cadeias de abastecimento com maior precisão, reduzindo custos e prazos de entrega. “Embora varie muito por sector, estudos recentes da OCDE indicam que as PME que adotem tecnologias digitais com foco na internacionalização conseguem crescer entre 15% e 25% mais rapidamente nos mercados externos”, remata.

Portanto, se crescer é fundamental para a sobrevivência, a internacionalização é o caminho, mas não sem antes preparar se preparar muito bem a viagem. Esta preparação pode ditar o sucesso ou o falhanço da operação.

(Artigo publicado originalmente na edição de abril/maio da Forbes Portugal)