Imagine que, todos os dias, depende do seu vizinho para chegar ao trabalho. No início, trata-se de um bom acordo para ambos, partilham custos e convivem durante o percurso. Porém, de forma súbita e até arbitrária, o vizinho altera horários, exige uma contribuição financeira mais elevada ou ameaça deixá-lo sem transporte. Nesse momento, apercebe-se de que essa dependência pode prejudicar a sua rotina e os seus objetivos. A solução mais adequada consiste em encontrar alternativas, talvez comprar um carro, arranjar outra boleia ou ir de transportes públicos. O que parecia um acordo estável transformou-se num ponto de rutura.

Tal como no caso do vizinho exigente, a UE está finalmente a reconhecer a necessidade de ultrapassar a sua dependência excessiva, a necessidade de diversificar parcerias, reforçar a sua competitividade interna e projetar um futuro mais seguro e soberano.

As medidas protecionistas de Trump, sobretudo a imposição de tarifas comerciais, oferecem à UE uma ocasião inédita para rever a sua dependência histórica dos EUA, fortalecer o crescimento económico e afirmar-se em termos geoestratégicos. Em vez de considerar tais medidas apenas como ameaças e de nos “escandalizarmos” com a linguagem usada, a UE deve encará-las como um incentivo para consolidar a autonomia, procurar novos parceiros e reforçar o seu papel global.

Acredito que a diversificação de parcerias comerciais e a procura de mercados alternativos constituem uma resposta adequada às medidas de Trump. Além disso, algumas ações de retaliação a produtos americanos e o reforço da inovação tecnológica na Europa contribuem para a produção interna e para a diminuição da dependência de importações estratégicas dos EUA. Em paralelo, a aposta em relações com países asiáticos e latino-americanos, bem como a liderança em temas globais — como o multilateralismo e a sustentabilidade ambiental — ampliam a capacidade de negociação da UE no panorama internacional.

Outro aspeto relevante envolve o impulso ao debate sobre autonomia estratégica. As ações e o discurso de Trump evidenciam a urgência de a UE melhorar as cadeias de valor e desenvolver setores-chave, como o digital, as tecnologias energéticas e a defesa. Projetos de cooperação europeia em áreas industriais e tecnológicas demonstram que é possível reforçar a competitividade em bloco, ao mesmo tempo que melhoramos a capacidade de responder a desafios geopolíticos.

É possível que as políticas protecionistas de Trump gerem incertezas, sobretudo a nível da economia interna dos EUA. O que gostaria de lembrar é que nos serve de pouco a nossa indignação diária pelo que Donald Trump disse ontem. Tal como no caso do vizinho exigente, devemos aproveitar a ocasião para repensar as nossas prioridades e acelerar as reformas estruturais na Europa e fomentar novos acordos comerciais estratégicos, consolidar o seu crescimento económico, a sua relevância geoestratégica e a sua emancipação face aos EUA, abrindo caminho para um futuro mais próspero nas décadas vindouras.


Ao privilegiar a inovação, ao ampliar parcerias e ao aumentar a autonomia produtiva, a UE pode recordar ao mundo que a sua verdadeira força reside em construir novas pontes em vez de lamentar as que foram derrubadas.