
Na terra de Catarina Eufémia, Baleizão, no concelho de Beja, o Chega e a CDU empataram no número de votos e repartiram a liderança nas legislativas de domingo, marco que deixa a população em ‘alerta’.
No rescaldo das legislativas e na semana em que se assinala o 71.º aniversário do assassinato de Catarina Eufémia, em 19 de maio de 1954, pelas forças do regime fascista, o silêncio paira no ar em Baleizão e poucos são os que querem falar sobre os resultados de domingo.
No café da Rua da Vinha, Joaquim Troncão espera que lhe vendam uma ‘raspadinha’ e, à agência Lusa, diz que não se surpreendeu com o empate a 143 votos entre a coligação liderada pelo PCP e o Chega na freguesia.
“O pessoal está farto de aldrabices, de ladrões e companhia limitada. As pessoas saturaram-se e os ‘tachos’ dão nisto”, argumenta, admitindo que houve pessoas que “viraram” o seu sentido de voto dos partidos de esquerda para os de direita.
Assumindo-se do PCP, não esconde que, além das promessas de “mundos e fundos” e de que “vai fazer assim e assado” de André Ventura, líder do Chega, os resultados eleitorais refletem também algumas posições atuais do seu partido.
“Com aquilo que são os acontecimentos atuais, no caso da Ucrânia e da Rússia, ficou sem muitos votos. Eu votei no PCP, mas não era para ter votado olhando a isso. Voto porque sei o que é [a génese do partido], sei o que é que a minha gente sofreu na pele”, afirma.
Do outro lado do balcão, Manuel Falca, proprietário do café, ouve com atenção a conversa. Por “ter uma casa aberta”, escusa-se a assumir uma posição política, mas admite que o país entrará brevemente num “novo ciclo” e acrescenta: “Ele [André Ventura] diz em voz alta o que nós antes dizíamos em voz baixa”.
Para Joaquim Troncão, a perda de memória coletiva é outra justificação para a ascensão da direita e queda do PCP e do Bloco de Esquerda, que antes “tinham votos com fartura” na aldeia.
“Algumas pessoas vão atrás da conversa dele [André Ventura] e não sabem o que aquilo é. Eu sei, porque senti na pele, porque eu vivi no tempo do Salazar e do fascismo e sei muito bem o que é isso, vi entrar pessoas num jipe e até hoje nunca mais os vi. Foram para onde?”, questiona.
Nas eleições de domingo, o Chega e a CDU dividiram a liderança na freguesia de Baleizão, com 143 votos cada, o que lhes granjeou uma percentagem de 30,36%.
Nesta freguesia alentejana, de acordo com os resultados provisórios oficiais da Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna (SGMAI), dos 721 eleitores inscritos, votaram 471 pessoas (65,33%).
Em terceiro lugar na votação ficou o PS, com 96 votos (20,38%), força política que tinha ganho esta freguesia nas legislativas de 2024 (com 147 votos).
Na Junta de Freguesia de Baleizão, Maria João Brissos, a atual presidente, eleita pela CDU, reconhece à Lusa que, apesar do empate, os comunistas tiveram “um aumento na votação” face a 2024, quando conseguiram 135 votos.
“Aquilo que notámos é que há um decréscimo enorme da parte do PS, até [com] uma alteração de votos [para outros partidos], e que há este fenómeno do Chega que é transversal a todo o país, portanto, não foi só em Baleizão, terra de Catarina [Eufémia], foi em todo o lado”, refere.
O descontentamento generalizado da população, fruto das “políticas dos últimos anos”, é uma possível justificação indicada por Maria João Brissos para os resultados eleitorais.
E o “desconhecimento da história”, sobre os anos de ditadura em Portugal, é outro ponto para tentar compreender a “viragem” do eleitorado, sobretudo dos mais jovens.
“Um país sem passado não pode ter futuro, porque se eu tiver conhecimento do quão duro foi viver nessa altura, tenho a certeza de que não quero lá voltar, mas, se eu tiver esse desconhecimento, ando um bocadinho à deriva e posso pensar que talvez não tenha sido assim tão mau”, vinca a autarca.
A mesma opinião é partilhada por João Cascalheira, presidente da Casa do Povo de Baleizão e antigo candidato do PS à junta de freguesia nas últimas autárquicas, que refere que, na terra, “nem toda a gente agora é de extrema-direita”.
“As pessoas votam no Chega no sentido mais de protesto e de contestação do que por terem ideais de extrema-direita”, aponta, referindo que, “neste momento, há uma grande repulsa em relação aos partidos de esquerda por parte dos jovens”, que querem “culpar alguém pelo estado em que o país está”.
Nas eleições de domingo, o Chega foi, pela primeira vez, o partido mais votado no círculo eleitoral de Beja, ganhando mesmo em oito dos 14 concelhos do distrito, de acordo com a SGMAI.
No que respeita à freguesia de Baleizão, em comparação com os resultados das legislativas de 2015, quando ainda não existia o Chega, a CDU atingiu na altura 51,84% (239 votos), mas, no ato eleitoral idêntico realizado em 2019, já com o Chega a concorrer, a coligação liderada pelo PCP chegou aos 46,38% (192 votos).
Aí, na terra de Catarina Eufémia, nas legislativas de 2019, o PS ficou em segundo lugar e o Chega apenas em sexto, com 1,45%, graças aos seis votos que recebeu.