Assumiu recentemente a Direção da Sociedade Portuguesa de Patologia da Coluna Vertebral (SPPCV). Quais as motivações que o levaram a abraçar este desafio?
Quem tem a sua atividade profissional dedicada em exclusivo à patologia da coluna, a uma dada altura, sente que há também uma responsabilidade para com a comunidade. Refiro-me, por exemplo, a temas como o diagnóstico precoce das escolioses, a utilização de mochilas nas escolas, os traumatismos vertebro-medulares relacionados com mergulhos, os acidentes de viação ou domésticos ou, ainda, o que fazer quando temos diagnósticos tão comuns como as hérnias discais.

Essa responsabilidade é também científica, como a realização do Congresso Anual da SPPCV, seminários e webinars e pela atribuição de bolsas. Também é formativa, para internos das especialidades com interesse na coluna e de jovens especialistas, não só pela sua participação nos eventos descritos, mas também com a atribuição do Diploma Ibérico e a realização de fellowships.

Finalmente, a possibilidade de enfatizar a figura do cirurgião de coluna, oriundo da Ortopedia ou da Neurocirurgia, como alguém dedicado em pleno a esta patologia e com capacidade técnico-científica para tratar estes problemas.

Quais os principais objetivos desta nova Direção?
São os descritos anteriormente. Optámos ainda por criar, dentro da Direção, secções de diferentes áreas do saber, por forma a poder fazer um engajamento de mais colegas. São elas o Trauma e Patologia Vertebro Medular; Tumores; Deformidades da Coluna; e Cirurgia Minimamente Invasiva/Cirurgia Endoscópica. Teremos assim mais capacidade de resposta às solicitações que recebemos (comunicação social, participação em reuniões de outras sociedades científicas). Estas secções poderão ser o embrião da formação de secções da SPPCV, dotadas com um estatuto próprio.

A SPPCV tem também a sua revista, Spineleaks, que pretendemos que continue a ser um marco na divulgação das atividades que se vão fazendo, assim como na partilha de casos clínicos ou temas científicos de relevo.

Pretendemos continuar as excelentes relações que temos com outras classes profissionais, em particular enfermeiros e fisioterapeutas, que lidam com estes doentes em conjunto com os médicos.

Por último, o número de sócios tem vindo a aumentar todos os anos. Ultrapassámos a marca dos 200 inscritos, mas queremos continuar a crescer.

Como avalia o estado atual da medicina da coluna vertebral em Portugal?
Do ponto de vista científico estamos a par do que de melhor se faz nos países mais desenvolvidos. Contudo, diria que temos dois problemas intrinsecamente ligados à nossa condição económica e social.

Um relacionado com a dificuldade de acompanhamento dos melhores equipamentos, como a navegação em cirurgia da coluna, que não está disponível na grande maioria dos hospitais públicos. São equipamentos dispendiosos, mas que permitem não só alargar o leque de indicações cirúrgicas, podendo tratar casos que até aqui não tinham resolução, como tornam a cirurgia mais segura.

O outro problema, também nos hospitais públicos, tem a ver com as listas de espera para uma consulta (LEC) ou depois para a realização de cirurgia (LIC). Este é mais um problema de organização do SNS, em que muitos doentes são referenciados pelos cuidados primários sem necessidade. A crónica falta de tempos operatórios no SNS está ainda mais condicionada por dificuldades de pessoal (como anestesia ou enfermagem) e pelos planos de contingência que vão surgindo com a necessidade da ocupação das camas pelas gripes/infeções respiratórias o que interfere com a atividade cirúrgica programada.

Quais as áreas que consideram prioritárias desenvolver?
A cirurgia ambulatória da coluna é uma área em desenvolvimento, em particular com técnicas minimamente invasivas ou de endoscopia da coluna. Por uns “furinhos” tratam-se diversas patologias (hérnias discais, alguns canais estenóticos), evitando o internamento e com menor morbilidade num curto espaço de tempo para o doente.

Quais os maiores desafios que os profissionais da área enfrentam atualmente?
A cirurgia da coluna é exigente e requere uma constante atualização do conhecimento e da prática cirúrgica. Isso só se consegue nas sociedades científicas, como a nossa e naturalmente em serviços de coluna bem estruturados onde se trate toda a patologia da coluna e que fomentem uma discussão permanente dos casos clínicos. Precisamos de Centros de Referência de Cirurgia de Coluna.

Qual a importância de reunir numa mesma sociedade, ortopedistas e cirurgiões dedicados à patologia da coluna vertebral?
Tradicionalmente o ortopedista está conotado com o cirurgião que faz a instrumentação da coluna e o neurocirurgião como aquele que faz a descompressão dos nervos. Atualmente já não é assim e caminhamos para o cirurgião de coluna que instrumenta e descomprime a coluna. Há, no entanto, duas áreas que se mantêm mais estanques: a cirurgia das deformidades da coluna (escolioses, cifoses) e os tumores da coluna intradurais, que são realizadas por cirurgiões de coluna oriundos da Ortopedia e da Neurocirurgia, respetivamente.

Qual o legado que gostaria de deixar no final do seu mandato?

  1. Aprofundamento da criação da figura de Cirurgião da Coluna;
  2. Contribuir para a futura formação de secções da SPPCV com estatuto próprio;
  3. Afirmação da SPPCV como o interlocutor entre os media e a comunidade para os assuntos relacionados com a patologia da coluna

Sílvia Malheiro

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