Sete em cada dez millennials — a geração que cresceu entre modems barulhentos e redes sociais omnipresentes — admitem que nem sempre verificam a autenticidade das suas ligações online. A revelação, extraída do relatório global Reality Check, da Kaspersky, é tão preocupante quanto paradoxal: a geração que se proclama mais competente digitalmente assume uma postura surpreendentemente negligente face a um dos pilares da segurança cibernética — a validação da identidade.

Esta dissonância cognitiva entre autoconfiança digital e prática insegura tem consequências profundas. Segundo o estudo, quase dois terços (64%) dos millennials já interagiram com indivíduos que distorceram a sua identidade online. E mais: 14% confessam já ter feito o mesmo — seja com nomes falsos, perfis fictícios ou ao encarnar personagens que não correspondem à realidade. Esta banalização da identidade digital levanta sérias preocupações em matéria de segurança, confiança e integridade das interações online.

“Quando confiamos demasiado nos nossos próprios conhecimentos digitais, esquecemo-nos que o outro lado pode não ser assim tão genuíno”, alerta Ruth Guest, ciberpsicóloga. Este excesso de confiança é, muitas vezes, explorado por perfis maliciosos com tendências manipuladoras, narcisistas ou mesmo psicopatas — fenómenos cada vez mais comuns em cenários de catfishing, engenharia social ou fraude emocional e financeira.

Apesar dos alertas, a dissonância mantém-se: 38% dos millennials já sofreram perdas de confiança online e 68% dizem estar agora mais reticentes em estabelecer relações digitais. Contudo, 44% continuam a confiar nas informações que circulam nas suas comunidades online. A perceção de risco parece, portanto, não estar a ser acompanhada de uma mudança proporcional de comportamento.

A urgência de uma alfabetização digital reforçada

Marc Rivero, investigador da equipa GReAT da Kaspersky, afirma: “Como principais administradores digitais nos seus lares, os millennials têm de assumir a responsabilidade de fortalecer os seus hábitos de cibersegurança e os dos que os rodeiam”. A liderança digital da geração do milénio não pode ser apenas técnica — tem de ser ética, informada e preventiva.

A literacia digital moderna exige mais do que fluência nas plataformas — exige vigilância ativa.

Um desafio que transcende gerações

A superficialidade com que os millennials — e, por arrasto, as gerações mais novas — encaram a veracidade digital é um sinal de alerta não só para indivíduos, mas para empresas, líderes de TI e decisores políticos. O problema da confiança digital já não é uma questão individual: é uma vulnerabilidade sistémica.

Num mundo onde a identidade é fragmentada em perfis, likes e algoritmos, a noção de verdade digital está em permanente tensão. E se os mais fluentes do meio não estiverem atentos, os riscos multiplicam-se — e com eles, os danos reputacionais, emocionais e financeiros.

A confiança, no digital como na vida, não é um dado adquirido — é uma construção contínua. E como tal, merece ser tratada com o mesmo rigor que qualquer outro ativo estratégico. Sob pena de, no final, sermos todos vítimas de uma realidade que nós próprios ajudámos a distorcer.