Num ecossistema onde o digital é muitas vezes confundido com gadgets e apps, Pedro Miguel Santos defende outra ideia: a inovação verdadeira é aquela que, mesmo invisível, transforma tudo. Diretor de Desenvolvimento, Operações, Inovação e ID no Continente – a insígnia de retalho alimentar do universo Sonae – e vice-presidente da ACEPI há mais de uma década, Pedro Miguel Santos está no epicentro de uma revolução silenciosa, mas profundamente impactante.

“O nosso foco é criar valor para o cliente e para o mercado, mesmo que esse valor não seja imediatamente visível”, afirma, com a serenidade de quem sabe que inovação real não precisa de holofotes — precisa de resultados.

ACEPI e o papel das associações: um ecossistema em rede

Pedro Miguel Santos não é apenas um executivo de topo numa das maiores empresas de retalho em Portugal. Há mais de 10 anos, é também uma das vozes mais ativas no movimento associativo digital, através da ACEPI – Associação da Economia Digital. A razão? “Porque acredito que as empresas só conseguem competir globalmente se colaborarem localmente.”

Para Pedro Miguel Santos , associações como a ACEPI são autênticos motores de convergência digital, unindo empresas concorrentes em causas comuns, setores distintos em objetivos partilhados e organizações de todas as dimensões numa missão coletiva: acelerar a transformação digital do país.

“A ACEPI tem conseguido colocar operadores muito distintos – telecomunicações, retalho, media – a colaborar. Esse esforço tem sido decisivo para que Portugal recupere terreno na digitalização”, defende.

E o esforço está a dar frutos. “Portugal tem vindo a convergir com a média europeia. Muito desse progresso resulta da capacitação de pequenas e médias empresas através de programas como o Comércio Digital ou as aceleradoras da ACEPI.”

Inovação como cultura, não como departamento

Na Sonae, e em particular no Continente, a inovação não está confinada a uma divisão ou a um laboratório. Está entranhada no dia-a-dia, desde o chão da loja até às decisões de topo. “Temos uma área estruturada para potenciar a inovação, mas ela acontece em todo o lado: nas equipas operacionais, nos escritórios, nas lojas. Inovar faz parte da nossa identidade.”

Pedro Miguel Santos descreve a inovação como um processo distribuído, feito de tentativa e erro, mas sempre orientado para resolver problemas reais — sejam eles do consumidor final ou dos próprios colaboradores. “Vivemos num contexto de constante mudança, e a nossa resposta passa por sermos ágeis, empáticos e experimentais.”

A inovação invisível: robôs, algoritmos e ergonomia

Quando se pensa em inovação no retalho, o que vem à mente são apps móveis, promoções personalizadas ou caixas de self-service. Mas a verdadeira revolução, diz Pedro Miguel Santos, está no que não se vê: veículos autónomos, braços robóticos, soluções de automação ergonómica.

“Temos vários projetos de automação que melhoram a eficiência das operações e a qualidade de vida dos nossos colaboradores. Tudo isso passa despercebido ao cliente, mas tem impacto direto na experiência e no serviço.”

Este tipo de inovação “behind the scenes” também serve como campo de testes para soluções que, mais tarde, podem escalar. “Trabalhamos com startups e universidades para desenvolver tecnologias que nos ajudem a resolver problemas concretos. E, muitas vezes, conseguimos fazê-lo com uma agilidade difícil de replicar noutras geografias.”

Uma loja do futuro… com empatia

Um dos exemplos mais visíveis — ou melhor, invisíveis — desta filosofia é a loja autónoma do Continente em Leiria. Uma área de 1.200m², com mais de 1.600 câmaras e tecnologia de visão computacional avançada, onde os clientes podem entrar, recolher produtos e pagar sem passar por uma caixa tradicional.

Mas ao contrário do que aconteceu nos Estados Unidos com os projetos Amazon Go, o objetivo do Continente não é eliminar o fator humano.

“O foco não é substituir pessoas por máquinas. É oferecer uma experiência mais fluída e recolher dados relevantes para melhorar outras lojas”, explica Pedro Miguel Santos. “Em vez de uma black box, passamos a ter uma glass box — conseguimos ver como os clientes interagem com os produtos, com o espaço, com o serviço.”

E há um fator que diferencia este projeto de iniciativas similares noutros mercados: empatia. “Temos programas específicos para desenvolver a empatia dos nossos colaboradores. Os clientes valorizam a conveniência, sim, mas também querem saber que, se precisarem de ajuda, têm alguém ali para os apoiar.”

O cartão que mudou o mercado

Falar da estratégia digital do Continente é falar de dados. E falar de dados, inevitavelmente, é falar do Cartão Continente. Lançado em 2007, atingiu 10% da população portuguesa em apenas 10 dias. Hoje, tem uma taxa de penetração superior a 90% nos agregados familiares nacionais.

“É um dos programas de fidelização mais bem-sucedidos da Europa. E não é só uma questão de descontos — é uma ferramenta de personalização, de ecossistema, de proximidade”, afirma Pedro Miguel Santos.

A recolha de dados permite afinar campanhas, criar ofertas mais relevantes, melhorar a experiência omnicanal e até desenhar novos produtos. Mas tudo isso, reforça, é feito com rigor, ética e transparência.

“Os dados são dos clientes. Nós só os usamos para gerar valor — e com o seu consentimento. A confiança é o ativo mais valioso que temos.”

A app como extensão do ecossistema

O programa de fidelização ganhou uma nova vida com a app do Cartão Continente, que, segundo Pedro Miguel Santos, é hoje uma das aplicações com maior engagement em Portugal. “É uma plataforma que nos permite comunicar, personalizar e ativar campanhas com uma precisão extraordinária.”

Com atualizações constantes e funcionalidades que cruzam promoções, gamificação, carregamentos e até pagamentos, a aplicação é, segundo o executivo, “uma ponte direta entre o cliente e o ecossistema Continente.”

“Estamos muito atentos ao feedback. A personalização é cada vez mais refinada, e os clientes reconhecem o valor. Isso traduz-se em fidelização, sim, mas sobretudo em relevância.”

Food Labs e o retalho experimental

Inovação não é só processo ou tecnologia — é também produto. E é aqui que entra o conceito dos Food Labs, espaços experimentais presentes em quase todos os hipermercados Continente. Nestes laboratórios, testam-se novos produtos, desde superalimentos a snacks à base de insetos, com o apoio de robôs informativos que interagem com os consumidores.

A taxa de conversão é reveladora: cerca de 40% dos produtos testados acabam por ser comercializados. “É inovação tangível, próxima, que permite ouvir o cliente em tempo real”, sublinha Pedro Miguel Santos.

Uma visão humanocêntrica da tecnologia

Há uma ideia que atravessa toda a conversa com Pedro Miguel Santos: a tecnologia deve amplificar a experiência humana, não substituí-la. “Não acreditamos num retalho sem pessoas. Acreditamos num retalho mais humano, mais inteligente, mais próximo — suportado em tecnologia.”

Para isso, o Continente aposta em múltiplas frentes: inovação distribuída, parcerias com startups e universidades, inteligência artificial aplicada, automação com propósito, e uma governação de dados assente em ética e transparência.

Pedro Miguel Santos representa um novo tipo de líder empresarial. Um que compreende tanto o código como o comportamento humano. Que valoriza tanto o laboratório como a loja. Que sabe que a inovação não se mede em likes ou headlines, mas em impacto real na vida das pessoas.

“O que nos move é criar valor — todos os dias, em todas as frentes. E para isso, temos de estar sempre a aprender, a testar, a ajustar. O futuro não é um destino, é um processo.”