Nasceu com as Agendas Mobilizadoras e 23,61 milhões de financiamento do PRR para criar um cluster de videojogos em Portugal. Com sede na Madeira, o eGames Lab — consórcio que reúne 22 entidades, incluindo 14 micro e pequenas empresas, duas entidades científicas e seis entidades públicas e privadas de várias cidades portuguesas, como Lisboa, Funchal, Évora e Angra do Heroísmo — tem dado passos de gigante e já lançou uma mão cheia de jogos. Um deles, criado pela FootAR, venceu neste mês o prémio de Melhor Aplicação na VRAR World Expo 2025, o mais prestigiado evento asiático dedicado à Realidade Aumentada e Realidade Virtual, que decorreu a meio do mês, em Xangai.
A desenvolver novos produtos a um ritmo frenético e com vários deles em testes finais, com uma forte componente de internacionalização, o consórcio eGames Lab pôs já Portugal nas principais feiras internacionais do setor sob a marca única "Games from Portugal" e tem gerado um aumento exponencial do interesse internacional, seja de editoras, investidores ou media, nos nossos videojogos, contornando a fragmentação da indústria, que impedia a realização do grande potencial do setor e contribuindo para atrair e fixar aqui recursos humanos altamente qualificados, conforme explica ao SAPO o diretor científico e líder do consórcio. Próximos passos? Pedro Campos explica tudo.
O aplicação portuguesa de Realidade Aumentada/Realidade Virtual de futebol da FootAR acaba de ser premiada num dos mais relevantes fóruns internacionais do setor. O que é que tem distinguido a proposta de videojogos portuguesa no âmbito do eGames Lab que tem potenciado este destaque mundial?
Encontrei o David Olim (CEO da FootAR) aqui há dias e ele deu-me uma resposta que vai ao encontro disso: nós somos pequeninos como país, mas temos jovens muito bem formados, temos qualidade; mas pensamos que o desenvolvimento de um videojogo ou de uma aplicação de realidade aumentada, como é o caso da FootAR, nunca terá hipóteses de ter impacto do outro lado do mundo, como é o caso do mercado asiático. A verdade é que neste prestigiado evento a FootAR venceu. E isso acontece porque, apesar da nossa dimensão, quando temos algo que é bom e minimamente sustentado ao longo do tempo, e algo que mobilize, resulta. Quando Portugal passa a ter uma presença constante nas maiores feiras mundiais daquela indústria, com as empresas todas juntas, os investidores e o público mudam a perceção. Aquela ideia de que os portugueses não são bons a fazer marketing é secundarizada por esta dimensão da notoriedade com consistência.
E o facto de ser um produto que mexe com emoções, que conta uma história, também pesa...
Sim, neste caso, claro, porque o futebol desperta emoções, isso facilita. Mas temos tido vários professores da indústria a visitar os nossos laboratórios desde que o projeto começou e todos dizem que temos coisas únicas e que somos bons a contar a história. Há um misto de melancolia com arte, que se consegue transpor para os videojogos. Mas só isso não chega. Outros países conseguem fazê-lo. O que nos faltava aqui era uma base comum. Até as ilhas Canárias têm um stand só delas nessas grandes feiras. E nós dizemos que os espanhóis são melhores do que nós, mas eles são seis vezes mais... e têm bons artistas, bons técnicos, contam bem a história. Mas indo lá, estando presentes, nós também temos conseguido mudar a perceção que têm de nós. E isso passa também pela mobilização.
Em que aspeto?
Antes do eGames, quando estávamos ainda a preparar a candidatura, a primeira coisa que saltou à vista foi a fragmentação que existia no setor: havia uns miúdos numa garagem, outros noutro lado, cada um a fazer por si, sem um fio condutor e sem uma base de apoio. E havia muito desânimo com o que se ia perdendo. Mas o ecossistema dos videojogos estava a crescer muito, a movimentar muito dinheiro, enquanto Portugal exportava apenas, em 2018, 5 milhões de euros ao ano nesta indústria, o que não é nada. Com a criação do consórcio e dessa lógica agregada, em 2022, demos um salto para 38 milhões, no ano seguinte para 48 milhões e em 2024 já estávamos muito perto da fasquia dos 100 milhões. Isto foi muito por efeito do consórcio eGames Lab e da Associação de Produtores de Videojogos Portugueses (APVP), porque começaram a ver que se podiam juntar a esta onda e estar presentes nas maiores feiras do mundo — e nós incentivámos esse movimento. Mesmo empresas que não fazem parte do consórcio — e devemos ser a única Agenda a fazê-lo — foram mobilizadas a juntar-se. E isto gerou um efeito bola de neve que ajuda a explicar esta evolução.
Existe um objetivo a atingir?
O primeiro era estabelecer um cluster de desenvolvimento de videojogos e indústrias criativas com alcance internacional em Portugal, dinamizando o setor das indústrias criativas e retendo o talento nacional. E isso está feito — o que existia foi incorporado e melhorado, desde logo conseguindo impedir que alguns jovens saíssem do país. O eGames Lab já criou mais de 207 empregos, todos eles altamente qualificados, dos quais 87 são mulheres e 135 são novos postos de trabalho. Portanto, para o total do investimento, o impacto em criação de emprego é enorme, porque não precisamos de um satélite, como a Agenda do Espaço, nem de comprar produtos farmacêuticos... não precisamos de grande infraestrutura. O dinheiro vai todo para salários e uma pequena pate para as conferências. Esse era o grande objetivo e já foi conseguido.
O eGames Lab já criou mais de 207 empregos, todos eles altamente qualificados, dos quais 87 são mulheres e 135 são novos postos de trabalho.
Porque também permitiu captar e reter talento.
Sim, eu lembro-me de estar em São Francisco em março e ao ver as cores do Games from Portugal as pessoas apareciam e diziam-nos: "Ah, que bom ver que finalmente estão aqui"; "Eu venho do Canadá e já era tempo de Portugal termos isto"... E talvez isto sirva para alguns deles pensarem voltar e criar empresas aqui. É um dream goal que tenho, porque vi muitos professores meus fazerem isso — o prof. Pavão Martins, por exemplo, que foi dos primeiros a doutorar-se nos EUA, em 1984, quando voltou criou uma série de produtos e negócios em IA, era uma rockstar. Se alguns destes conseguirem também ajudar a dinamizar o tal cluster de videojogos é incrível. Porque Portugal tem ótimas condições para as indústrias criativas, a nossa infraestrutura é muito boa, o país tem bom clima, não tem stress...
Mas como é que se convence quem acabou de se formar e pode ir para qualquer sítio do mundo que tem vantagem em ficar aqui e apostar no cluster?
Por acaso não tem sido difícil de convencer. Quase todos os dias recebemos currículos — muitos veem os videojogos como um emprego de sonho. O problema era que não havia cá onde pudessem entrar nessa indústria, que é muito imprevisível, até mesmo lá fora.
Quais são as pedras basilares para o eGames Lab?
O principal era mobilizar uma indústria fragmentada e conseguir posicionar o país na cadeira de valor global deste setor. Isso passou por visibilidade, presença nas feiras, desenvolvimento de novos produtos, videojogos, etc. Em termos de visão do consórcio e posicionamento do país, foi sempre um ponto-chave que tínhamos de nos diferenciar, porque todos os países estão em competição. A forma que encontrámos foi posicionarmo-nos por oposição à conotação negativa que alguns videojogos têm. Nós partimos dos valores e cultura portuguesa para uma visão dos videojogos de promoção de boas práticas, princípios e valores, em lugar de ser uma fonte de alienação coletiva e desligada da realidade. Os nossos títulos refletem isso. E também queremos combinar arte e tecnologia, por isso é que a nossa sede junta na mesma sala psicólogos, artistas, designers, programadores... são processos de trabalho em que a soma do coletivo é maior do que a do trabalho individual. A arte desafia a tecnologia e esta inspira a arte. Por exemplo, o artista quer a personagem a fazer algo e o técnico fica todo contente porque sabe como fazer acontecer.
O principal objetivo do eGames Lab era mobilizar uma indústria fragmentada e conseguir posicionar o país na cadeira de valor global deste setor.
Já têm cinco jogos lançados pelo consórcio. Que tipo de jogo funciona melhor?
Cada género de jogo é um mercado — o que também contribui para a instabilidade. Eu faço um paralelo com as séries da Netflix: a forma de fazer o marketing de uma série é completamente diferente da de um filme, e o mesmo acontece com os jogos. Não podemos dizer que os de narrativa são melhores ou piores do que os de futebol, por exemplo, porque é tudo diferente, da criação ao marketing.
E há ainda os jogos de telemóvel...
Sim. E a forma de os criar e colocar no mercado é muito diferente. Claro que há mercados melhores e não convém apostar em nichos muito pequenos — esse foi um dos fatores de insucesso desta indústria. Aquela ideia de eu fazer o jogo que quero... Se não há mercado, é tudo muito mais difícil. Por isso temos esta preocupação de serem jogos transformacionais, veículos de promoção de bons valores, mas também com a preocupação de ir a mercados onde tenhamos hipótese. O facto de termos um ponto de partida muito baixo é bom porque se evolui depressa, mas por outro lado encontra-se resistência; como aconteceria se um carro feito em Portugal tentasse conquistar mercado aos alemães. Essa resistência inicial é difícil de ultrapassar, mas estamos a conseguir.
Temos esta preocupação de serem jogos transformacionais, veículos de promoção de bons valores, mas também a de ir a mercados onde tenhamos hipótese de nos afirmarmos pela diferenciação.
O produto é software, isso também é vantagem, uma vez que não requer grande logística, armazenamento, e permite fixar aqui o valor acrescentado. Ainda assim, esse preconceito influencia a fixação do preço? Somos forçados a vender mais barato do que outros de origens mais óbvias para o mercado dos videojogos?
Aprendi isso a ouvir o meu irmão queixar-se disso (n. r. Miguel Campos, irmão de Pedro Campos, é o fundador e CEO da OneWayEleven, criadora do jogo Hanno, que faz parte do consórcio que também lidera). O valor de produção. Nós fomos falando com pessoas de Hollywood e Los Angeles e percebemos que não se deve perder tempo com conferências pequeninas, é logo começar por cima. Porque mesmo que não nos liguem, aprendemos em segundos mais do que umas horas noutros fóruns. E lá diziam-nos: vocês com muito pouco conseguem fazer imenso, porque os salários são mais baixos e não têm os problemas de alguns países de Leste, da Índia ou da China, que é não entenderem a cultura ocidental, que é a que mais compra jogos. Quando um investidor ou jogador vai comprar e vê o preço um pouco mais baixo, infelizmente isso resulta. Mas a parte que de facto traz diferenciação competitiva é o valor de produção para um jogo com tanto potencial de vendas para uma equipa tão pequena. Além disso, destacam a boa qualidade de vida e a infraestrutura Portugal, que os atrai, enquanto também conseguimos transpor para as narrativas, os cenários, o 3D, aquilo que funciona. Se pedir a uma empresa indiana, ou vai tudo muito bem detalhado ou é dinheiro perdido. Nós não tínhamos consciência de que o valor de produção também era impactado por fatores como a boa formação, o alinhamento, a abertura e até o país.
Quais são os próximos passos para o eGames Lab?
Varia de empresa para empresa, mas na parte de investigação científica já atingimos os objetivos. Não me recordo de ter tantos alunos de mestrado a publicar tanto e a ter tantos prémios, muito menos na Universidade da Madeira. Portanto, aí é consolidar, continuar o trabalho de capacitação e formação, de inspiração para que criem novas empresas. Na parte mais empresarial, está tudo concentrado em concluir as diferentes produções programadas e passar a uma fase mais pré-mercado. Mas depende, porque uma empresa como a Infinity Games está noutro patamar — um jogo para telemóvel é muito mais fácil de desenvolver e lançar, consegue-se testar águas mais depressa e aumentar vendas; noutros, o desafio é lançar em várias consolas, como a Nintendo Switch 2, que apareceu agora, fazer esse trabalho mais tecnológico de adaptação a novas consolas, computadores e sistemas. Por outro lado, temos de continuar a procurar investidores e editoras, a aprender sobre o mercado e terminar o projeto com todos os videojogos bem lançados.
A Madeira já é vista como mais do que um destino turístico, já é conhecida pela interação humano-computador.
Quantos faltam?
São 14 empresas e 14 videojogos, falta lançar oito.
E o que será para si um sucesso do consórcio?
A marca Portugal, que é o mais difícil e o racional subjacente às Agendas Mobilizadoras. Nós fomos desenvolvendo a área científica e a interação humano-computador na Madeira; no início — eu vim do Técnico em 2002, com 23 anos — pensávamos que não ia dar em nada. Mas quando começámos a ir às conferências, as pessoas já viam a Madeira como mais do que um destino turístico, já era conhecida pela interação humano-computador. Um resultado fantástico, para mim, seria termos um sucesso semelhante ao do Clair Obscur: Expedition 33, que até o presidente Macron veio elogiar e que da noite para o dia vendeu largas dezenas de milhões. Eles fizeram exatamente o que nós estamos a fazer — mas não significa que tenhamos aquele sucesso... Aliás, fiquei contente, porque resultou e é exatamente como o nosso projeto, mas também preocupado. Mas mesmo que não cheguemos lá, já existe uma consciencialização muito maior e a Europa já olha para nós por esta indústria, o que é uma conquista, estamos posicionados e ainda temos os atrativos do país. E o resto vem por acréscimo. Além de criarmos um produto de exportação competindo em muito melhor posição do que os países da Europa.