
A pesca do atum na costa do Algarve está identificada, desde pelo menos, a Idade do Ferro. Mantém a importância com a presença romana, mas terá sido com a presença islâmica que ganhou ainda maior destaque económico. É dessa época que surge o termo “Almadrava” (arte de pesca fixa no mar), que o cristianismo e a criação do reino de Portugal acaba por adaptar para “Armação”. Os direitos exclusivos de pesca da Coroa portuguesa, implementada pelo Marquês de Pombal, terminou em 1830, dando lugar à constituição de companhias privadas, que montavam as armações de pesca de atum na costa algarvia, uma atividade que terminou somente nos 70 do último século.
O impacto desta atividade económica, sazonal e com grande necessidade de mão de obra, levou à criação dos “Arraiais”, verdadeiras aldeias, com escola e igreja, onde se reuniam as famílias dos pescadores, entre a primavera e finais de setembro.
No mar, eram montadas armadilhas de pesca gigantes e labirínticas, para capturar o atum rabilho (Thunnus thynnus), também muito referido na oferta gastronómica nacional e internacional como “Blue fin”, que passavam pelo Algarve no caminho para desovar no Mediterrâneo. Ao atum, gordo, que seguia na direção do Mediterrâneo, chamava-se “atum de direito”. Já o que regressava era dado o nome de “atum de revés”.
Em 1945, no concelho de Tavira existiam quatro arraiais da pesca do atum: Livramento, Barril, Medo das Cascas e Abóbora, o último em Cabanas de Tavira. Ainda hoje, existe o largo da Armação da Abóbora, que recorda a importância desta atividade. Na vertente gastronómica, o atum rabilho ou blue fin é o mais procurado e valioso, tendo ganho ainda maior destaque graças à internacionalização da cozinha japonesa.
É inspirada neste contexto histórico e social, mas também familiar, que a chef Noélia Jerónimo decidiu criar, pela primeira vez, um “Menu especial atum rabilho”, que está disponível no restaurante, em Cabanas de Tavira, até outubro. O menu, com algumas variações, é composto por sete entradas e pelo menos uma dezenas de pratos principais.
“Este menu é uma homenagem ao Algarve e aos produtos maravilhosos que aqui existem”, justifica a chef, recordando ainda as ligações familiares à pesca do atum, nomeadamente, a sogra que participou no arraial da Armação da Abóbora, que existiu em Cabanas de Tavira. “Criei dois pratos muito especiais que prestam homenagem aos meus sogros: um de cebolada à moda da avó Maria, sendo quase um escabeche que tem vinho do Porto, e outro de tomatada, à moda do avô Joaquim”.
Comprado maioritariamente no mercado de Tavira, o atum rabilho que Noélia Jerónimo serve é diariamente apresentado em diversas preparações e confeções, acompanhando também a sazonalidade de vários produtos algarvios e também dando espaço à criatividade. “Bitoque de atum rabilho com presunto do Zambujal” (€28) é uma das mais recentes adições ao menu, destacando-se também o “Atum rabilho de cebolada com molho de ostras” (€26).
A lista de principais é extensa e integra ainda “Atum rabilho com arroz de forno” (€24), o já clássico do Restaurante Noélia “Atum rabilho braseado com arroz de gengibre” (€24) e ainda opções como “Atum rabilho grelhado com beurre blanc” e até um exótico “Caril de atum rabilho” (€24).
Entre as novidades nas entradas, está um dos preferidos da chef Noélia: “Tártaro de atum rabilho com pisctachio” (€20). Conte também com ceviche, crudo com maracujá ou com laranja e abacate. Ligadas à tradição algarvia, o menu especial, sugere, “Tapa de muxama de atum do Algarve” (€10) e o refrescante “Gaspacho com estupeta de atum do Algarve” (€8).
Sobre o Restaurante Noélia (Avenida da Ria Formosa, Edifício Cabanas-Mar, Cabanas de Tavira. Tel. 281370649), premiado com Garfo de Prata, pode ler-se no Guia Boa Cama Boa Mesa 2025:
Pensa-se no descritivo dos pratos, revisitam-se as imagens com ingredientes de cores vivas e de evidente frescura e o apetite volta. Por maiores que sejam as vicissitudes, a chef Noélia Jerónimo resiste, regando a vontade de fazer bem, que na sua ideia significa esforço, sabor, respeito pela qualidade dos produtos locais na sua época e pelas tradições do Algarve. Esta é uma cozinha que também se faz de instinto, e uma simples tapa de queijo combinado com figos, anchovas, apontamentos de pistáchio e coentros brinda o comensal com uma saborosa teia de doçura, salinidade, frescura e texturas diversas. Mais vícios se seguem, os tártaros de carapau, atum e carabineiro, intervalados pela delicada “Canja de gambas da costa”. Abrem caminho para o xerém com bacalhau e as ostras do Moinho dos Ilhéus, as prediletas da chef, em parelha com cuscuz e salicórnia. O clássico “Arroz de carabineiros” é outra bênção. Influenciada pelo mar e a ria Formosa, esta cozinha de eleição não abandona a serrania nem as carnes, sugerindo-se a alternativa do “Arroz de forno e Black Angus”.
Aberto diariamente ao almoço e jantar, com exceção da quarta-feira, dia de descanso da equipa, a reserva é obrigatória nos meses de verão. A alternativa é manter-se na fila para as mesas de esplanada, com vista a para ria Formosa, que recebem pela ordem de chegada.
Acrescente-se que no dia 7 de setembro, Noélia Jerónimo é convidada do projeto Residência do chef João Rodrigues para um almoço especial dedicado à cozinha tradicional Algarvia a decorrer na quinta Morgado do Quintão, no concelho de Lagoa.