
Pela primeira vez, uma companhia aérea intercontinental operará voos regulares para o Porto antes de servir primeiro Lisboa. A Ethiopian Airlines, membro da Star Alliance, apostou na Invicta, com quatro voos semanais a partir de 2 de julho, um feito que nenhuma companhia africana dos países de língua portuguesa e nem sequer as "caravelas" da TAP jamais alcançaram à partida do Porto. Já no ano passado, a companhia aérea britânica easyJet nos tinha surpreendido ao estabelecer a primeira ligação comercial regular direta entre o Porto e Cabo Verde (ilha do Sal), algo que nenhuma das companhias estatais dos dois países tinha conseguido fazer até então. E não deixa de ser curioso que o Porto tenha conseguido voos diretos mais depressa para Belgrado ou Riga do que para Cabo Verde.
A escolha do Porto para os seus primeiros voos com destino a Portugal revela uma visão estratégica inovadora e destemida por parte da Ethiopian Airlines. Contrariamente a outras companhias, que simplesmente usufruem dos seus slots históricos na Portela e aguardam que todo o país se desloque para a capital numa abordagem altamente conveniente para a companhia em termos operacionais e de custos, mas que raramente beneficia a mobilidade dos cidadãos ou a descentralização aeroportuária do país, a Ethiopian vai arriscar sem preconceitos. Esta nova rota de e para Addis Abeba operará sempre em horário noturno e incluirá uma escala em Madrid, tanto na ida como na volta. Apesar de, por enquanto, não haver direitos de tráfego entre Porto e Madrid, esta é uma possibilidade futura que a Ethiopian aproveita noutros voos semelhantes e, a conseguir, irá permitir uma alternativa de luxo para os passageiros nas ligações à capital espanhola que poderão fazê-lo num confortável avião de longo curso, o Boeing 787 Dreamliner. Para os clientes baseados em Portugal que acumulam milhas nalgum programa da Star Alliance como o Miles & Go da TAP, voar na Ethiopian significa uma oportunidade para aumentar ou utilizar o saldo das suas milhas.
O impacto desta decisão vai muito além de Addis Abeba. Com horários que permitem ligações rápidas de Addis Abeba para 60 destinos africanos, os passageiros terão acesso facilitado a cidades como Maputo, Luanda, Victoria Falls, Zanzibar e Seicheles, além de diversas outras na Ásia. Do ponto de vista operacional, há apenas um detalhe que me incomoda e que é comum a todos os destinos europeus para onde a Ethiopian Airlines opera: a longa permanência das suas aeronaves paradas nos aeroportos, frequentemente ultrapassando as 12 horas. Uma imobilização tão prolongada representa custos elevados e uma utilização ineficiente da frota.
Do ponto de vista do passageiro, e por experiência própria, a Ethiopian Airlines tem-se mostrado uma companhia de confiança. A bordo, a comida é abundante, o serviço de cabine eficiente, os aviões modernos e confortáveis, e o aeroporto de Addis Abeba funcional. Se há algo que podemos fazer para retribuir a coragem e inovação da Ethiopian ao escolher o Porto como primeiro destino em Portugal, é abrir a nossa mente e afastar qualquer preconceito sobre companhias africanas. A Ethiopian Airlines não apenas representa o que há de melhor na aviação do continente, mas também é um exemplo para o mundo.
A Etiópia, apesar de não figurar entre os destinos turísticos mais populares, é-nos vagamente familiar pelas histórias de Preste João e da Abissína, o mítico reino que o nosso D. João II, dos Descobrimentos, tentou encontrar. A partir de 2 de julho está à distância de um voo. E se a Ethiopian surgir como opção para a sua próxima viagem, aceite. Sem preconceitos.
Docente em Sistemas de Transporte e consultor em aviação, aeroportos e turismo